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sexta-feira, 30 de setembro de 2011

A freira e a prostituta



A freira e a prostituta

Olhar distante, cansado. O velho sem futuro, sem família, sem esperança, perambula sonhando com um passado perdido e com um futuro que nunca chegou. A esposa se foi com a enfermidade precoce, o filho único perdeu-se no mundo do sudeste. A saúde definha, sem emprego, sem remédio.
O olhar instigado pela sobrevivência e fustigado pela desesperança, vê um prédio bonito com uma capela primorosa, impecável na sua limpeza. O entra-e-sai de vidas consagradas, em impecáveis hábitos reluzentes. No outro lado da praça, prostitutas fazem ponto, à espera de clientes que não vêm, e miram com seus olhares, arredios, as irmãs tão religiosamente trajadas.
O velho toma coragem como um asmático que toma um último fôlego e vai até a porta do convento, e baixinho saúda a irmãzinha, que sai apressada e responde antes mesmo de ouvir o interlocutor: “não tem não, damos a sopa nas sextas-feiras, venha neste dia”...E o velho aguardou uma outra, mais velha, que parecia ser a superiora. Esta andava mais devagar, talvez pela artrose nos joelhos ou por tanto se ajoelhar, nas suas preces diárias: “bom dia, a senhora podia me escutar um pouco?” “Estou muito ocupada, temos a novena de nossa santa fundadora, que é pela sua canonização, fale com a secretária na portaria do convento, nas sextas-feiras, de tarde” e saiu andando mais rápido. O velho ficou sem poder falar e sem entender o que ela queria dizer com canoniza..o que? E assim ficou ele tentando falar com as freiras, sem muito êxito.
Do outro lado da rua, a prostituta mais velha, que atendia naquele dia pelo nome de Madalena, como não tinha arranjado nenhum cliente até então, ficou olhando o desespero daquele pobre, e sentiu misericórdia dele.
Foi até ele, e chamou para sentarem no banco da praça. Escutou sua história de vida. Não era nem melhor nem pior que a sua. Apenas escutou. As freiras que já estavam voltando para o convento, observaram o velho com a nova companhia no banco, e murmuraram entre si.
Madalena, tomada de compaixão, levou o velho para seu quarto, num pardieiro bem decadente. Deu-lhe um banho, enxugou-lhe o corpo, cuidou de algumas feridas nas pernas, requentou a comida que estava ainda na panela em cima do fogão, comeram juntos aquela refeição. Depois se deram as mãos e deitaram juntos, trocando algumas carícias. Sofridas carícias. Misericordiosas carícias. Misteriosas carícias. Enquanto a pouca distância, do outro lado da praça se entoavam hinos de louvor, bem altos, como a querer abafar o grito das consciências torturadas, por séculos e séculos de culpas sepulcrais, caiadas de branco por fora. E quanto mais alto cantavam e badalavam seus sinos, mais profundamente o velho dormia seu sono de paz, com um sorriso suave nos lábios, como há muito tempo, não se sorria mais.

Assuero Gomes

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Anjos de ossos


Procurar anjos de asas diáfanas, que habitam lugares inacessíveis e que quase nunca se mostram, talvez nos faça deixar despercebidos entre nós os verdadeiros anjos. Estes são de carne e osso, muitas vezes mais ossos de que carne, de tão mendiga e maltrada que é.
São crianças famintas, drogadas, prostituídas, aí bem perto de sua rua, de sua casa, logo atrás de sua cerca eletrificada.
São anjos especiais, diria até, espécies de arcanjos, pois além de anjos (mensageiros) de Deus, são também profetas, pois denunciam na própria carne que a vontade de Deus não está sendo cumprida.

Assuero Gomes

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Profetas entre nós...







Profetas entre nós, são essenciais, esses profetas, para quando as instituições, os reis e os sacerdotes, deixam de anunciar a verdadeira Palavra de Deus.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

A Igreja ereta, rui

A Igreja ereta, rui

Muitos de nós, sobreviventes do desmonte pós-conciliar, assistimos, a maioria passivamente, outros com resmungos e muxoxos entre quatro paredes, ruir a Igreja dos sonhos libertários, como um castelo construído sobre nuvens de areia à beira mar do oceano do céu.
Frustrados e atônitos, viu-se a (re)ereção do modelo tridentino como paradigma de uma Igreja perpétua, triunfante e única possível, como último bastião de uma civilização gloriosa, fora da qual não haveria salvação. Última barca de fiéis a se salvar boiando acima das águas turbulentas e das cabeças de uma humanidade perdida, num derradeiro e apocalíptico dilúvio.
Muitos se apegam ao que seriam sinais de renovação desse modelo de Igreja, tais como a ordenação de mulheres, a aceitação de padres casados exercendo plenamente o ministério, à eleição dos bispos através de voto direto do povo católico da diocese, e assim por diante. É preciso, no entanto, olhar esses sinais tão ansiados, com um olhar bem mais profundo. Até que ponto eles seriam estruturadores de um novo modelo de Igreja ou seriam apenas conjunturais e revelam simplesmente uma mudança de quem estaria no poder? Uma mulher ordenada padre seria mais democrática que um padre homem? Os padres casados não estão apenas com saudosismo do altar? Um bispo escolhido diretamente pela vontade dos fiéis, mas com a estrutura centralizadora de poder, mudaria tanto assim a face administrativa da Igreja?
Creio firmemente que estamos no limiar de uma nova Igreja. O modelo atual rui. Há que se pensar mais além. E o Espírito nos foi soprado para nos dar liberdade de pensamento, ação e desejo, pois tudo podemos naquele que nos fortalece.
O modelo atual nos dá uma imensa ‘segurança espiritual’ pois nos indica as missas dominicais, os sacramentos regulares, as contribuições pecuniárias, os ritos salvíficos, a organização do corpo social, padres formados em seminários fechados livres do mundo. Porém os templos estão vazios, as vocações para este modelo estão escassas e os escândalos, principalmente de origem sexual e monetária, explodem na base dessa construção.
Para onde, então, nos sopra o Espírito?
É necessário abrir o coração para escutar o novo, como um ‘epheta’. Lembrar que para servir aos necessitados não se precisa ser obrigatoriamente um padre ou uma freira, nem para celebrar o amor de Deus para com a humanidade ser um bispo ou uma mulher ordenada, nem se ter um templo suntuoso, nem de tantos doutores nem de tantos sábios, para que a glória de Jesus se manifeste na nossa limitação através da força de seu amor, no serviço. É hora de se pensar em erigir uma Igreja de carne e afeto, de acolhimento e partilha. Essa não rui jamais.

Assuero Gomes

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

S. Vicente de Paulo e Santa Luísa de Marillac

                                          

S. Vicente e S. Luísa são dois cristãos angulares na construção do Reino de Jesus. Perceberam que não adianta pregar a palavra, construir templos e obras de arte, prestar culto a Jesus na Eucaristia, prestar obediência cega às leis das instituições, se não houver uma verdadeira conversão (metanoia) do cristão e a partir daí transformar sua fé em atos e gestos concretos de amor ao necessitado que está ao seu lado, no seu bairro, na sua cidade e até mesmo em lugares distantes.
Religião sem obras é uma seita filosófica ou social. Obras sem fé pode até ser assistência social ou militância, mas se houver que escolher, certamente Jesus prefere as obras.

Assuero Gomes

domingo, 25 de setembro de 2011

Grandes eventos religiosos






                                                              Grandes eventos religiosos


Vêm os gays (LGBT) e fazem sua passeata, arrebanhando grande quantidade de simpatizantes, em defesa de sua causa, mostrando sua força. Vêm os evangélicos e fazem sua marcha, arrebanhando grande quantidade de adeptos e crentes mostrando sua força. Vêm os católicos e fazem sua caminhada, arrebanhando grande quantidade de pessoas e curiosos, mostrando sua força.
Temo as multidões e suas manifestações, porque o Senhor começou com milhares lhe seguindo, enquanto dava pão de graça e curava de graça. Quando foi aprofundando sua missão, foi sendo deixado para trás. Ao final ficou com onze e mesmo assim, chegou um dia que não compreenderam sua palavra e o mestre teve que perguntar se eles também queriam ir embora. Dos onze, onze eram covardes e O deixaram sozinho no Horto e depois no julgamento e na crucifixação.
Onde estava a multidão? Muitos que o seguiram e comeram pão de graça, escolheram Barrabás.
Corremos o risco de nos tonarmos como essas ilustrações acima. Bonitas, coloridas, padronizadas. Apenas isso. Quem nos vir jamais verá Jesus.

sábado, 24 de setembro de 2011

A única religião verdadeira de Jesus




A única religião verdadeira de Jesus


Fosse-nos ater somente aos fatos históricos como os conhecemos hoje ( como a história é dialética e dinâmica pode haver alguma outra luz no futuro ) numa visão desapaixonada (se é que se pode ter uma visão desapaixonada de algo sobre Jesus ), poderíamos de sã consciência afirmar que Jesus de Nazaré não fundou nenhuma religião nova. Sua pregação e doutrina se inserem tranquilamente na tradição profética do povo de Israel. Dos diversos movimentos e grupos que coexistiam em seu povo naquela época temos conhecimento de alguns: os fariseus (perushim) , os saduceus (tzadokim), os zelotas (kanai), os essênios. Havia também grupos chamados batistas, que seguiam a um pregador e praticavam o batismo.
Jesus sempre dialogou com esses grupos e sempre o vemos argumentando com eles, com a curiosa exceção: os essênios (seu primo João provavelmente pertenceu a esse grupo).
Com a destruição do Templo e de Jerusalém pelos romanos no ano 70 ( 3830 no calendário judaico ) coube aos fariseus manter viva a religião até os dias de hoje e para sempre.
Jesus e seu grupo (seguramente era um grupo batista) têm algumas características interessantes, pois como bom judeu e zeloso com suas obrigações faziam suas ofertas ao Templo e participavam de todas as festividades. Podemos afirmar que Jesus nasceu judeu e morreu judeu. Um pouco mais de três décadas depois com a diáspora dos judeus e cristãos de Jerusalém, os grupos tomaram rumos diferentes, registrando aqui os ebionitas (evyonim, pobres) que aceitavam a Torá e os preceitos judaicos e a messianidade de Jesus.
Paulo, fariseu, que não foi do grupo inicial, este sim, foi o grande arquiteto da doutrina cristã e lançou as bases para a criação de uma religião cristã, quando pregava a não necessidade de observância de alguns preceitos e ritos dos judeus e salientava a supremacia da fé. Por ironia da história, foi o pensamento paulino que gerou também as outras manifestações (igrejas) cristãs de seguimento a Jesus. É muito mais proveitoso e verdadeiro se estudar o desdobramento da vida e da pregação de Jesus e seus seguidores nos diversos ramos que tomaram, como “o movimento de Jesus” (cf. Eduardo Hoonaert).
O perigo quando alguma igreja se denomina a “única”, a “verdadeira”, a “legítima” é, além de acirrar os ânimos dos fiéis e gerar disputa em vez de fraternidade, desviar-se da essência do ensinamento de Jesus. Falamos de Jesus o tempo todo, mas esquecemos sua pregação: a boa nova aos pobres, uma sociedade justa, sem miséria, sem senhores e sem escravos, sem opressão, cujos bens são partilhados e a justiça faz brotar a paz. Os famintos e os sedentos são saciados, os encarcerados são assistidos, os nus são vestidos, os doentes são atendidos. Essa é a verdadeira e única religião de Jesus.
Fossemos analisar quais das religiões ditas cristãs são verdadeiras, poderíamos dizer  que são insuficientes ou são excessivas, com certeza são ineficientes, pelo menos aqui na América Latina, África e Ásia, especialmente no Brasil, de tantas e tantas igrejas mas cujo povo passa fome, é desassistido, sofre com a violência, com a ignorância e com a falta de saúde.
Na verdadeira e única religião de Jesus, o templo é o coração de cada ser humano, o culto principal é o serviço ao necessitado e a devoção é à Vida.

Assuero Gomes

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A liturgia do Samaritano

                                        



                                                         A liturgia do Samaritano
de Reginalo Veloso


Talvez já lhe passou pela cabeça
ser Sacerdote, sacerdotisa, quem sabe...
Não espere por Ordenação!
A Ordem já foi dada!
Alguém está à sua espera...
Faça-se quanto antes um dom de Deus, sagrado dom, para seus próximos, para seu povo, um dom do Povo para seu Deus!
Não precisa mais de Templo,
nem saia à cata de igrejas...
Deixe Deus habitar em seu coração,
seja você mesmo, você mesma, a Tenda de Reunião,
fincada no meio do povo,
um ponto-de-encontro para os que estão dispersos ou na solidão,
e deixe a Boa Nova fluir de dentro do seu peito
como água viva a jorrar de fonte perene
para os que têm fome e sede de justiça!
Não vá atrás de Sacrifícios,
e desconfie de qualquer ritual ou oferenda!
Entregue já a sua vida a serviço da Vida,
a serviço dos últimos, dos “sem”, dos excluídos, da Mãe Natureza em extinção! Ouse mais: seja um Pontífice!
Não espere por eleição, consagração ou coisa que o valha...
Você já foi eleito e consagrado!
Comece logo a fazer ponte entre o céu e a terra, entre Deus e a Humanidade, entre irmãos e irmãs!
Seja você mesmo, você mesma, esse traço-de-união,
essa presença solidária que tanto faz falta,
especialmente aos que estão caídos, semimortos,
à beira das estradas do mundo!
E a sua adoração em espírito e em verdade
consistirá em descer de alguma pretensa altura,
debruçar-se sobre toda dor e humilhação,
curar todas as chagas com o azeite da humana ternura,
com o vinho da alegre esperança,
fazendo a vida emergir dos porões,
desabrochar ao sol e expandir-se pelos vales e colinas,
para a glória do Criador e Pai!
São estes os adoradores e adoradoras que o Pai procura!
Pelo menos, assim, entendeu e fez o Divino Samaritano, Jesus!
Essa foi a sua maneira de ser, ao mesmo tempo,
Templo, Sacerdote e Sacrifício!
E no-lo mandou repetir em sua memória:
“Vá você e faça o mesmo!” (Lc 19,37).


terça-feira, 20 de setembro de 2011

O Prato de Deus

                                                                 
                                                                  O prato de Deus

Deus sente fome nas entranhas do Pobre. Grita Ele para o mundo insensível, sua fome, sua dor. Ele caminha de pés descalços na poeira da periferia e na lama dos esgotos a céu aberto. A fome de Deus está disseminada nos estômagos e na desilusão dos Pobres.
O fundo do prato do Pobre é o espelho da sociedade sem Deus.
Deus procura o grão que semeou em dom gratuito e nada encontra. Deus procura a misericórdia que fez chover sobre as plantações no tempo certo, sobre os ricos e os pobres, sobre os campos, que são seus, e nada encontra.
O fundo do prato do Pobre está vazio, cheio de desesperança.
Cabe a nós tornar farta a refeição de Deus, repartindo o grão de trigo, feito em pão, o Pão da fraternidade, da justiça e da paz, e assim conseguirmos ouvir o sorriso de Deus, nas bocas saciadas dos Pobres. Ver a face alegre e amorosa de Deus no sorriso saciado do Pobre.
O prato de Deus é a fome do Pobre.
Quanto estaríamos dispostos a sacrificar para ter uma visão da face de Deus? Quantos quilômetros caminharíamos ansiosos para presenciar alguma manifestação da divindade, nem que fosse um pequeno sinal, um pequeno milagre? Em verdade, em verdade, é preciso reconhecer Deus na pessoa do Pobre. Quem quiser ver a Deus deve olhar o próprio reflexo no fundo do prato vazio, na caneca vazia, daqueles que passam fome.
A revelação de um Deus que se faz carne num pedaço de pão obrigatoriamente nos remete a sentir sua ausência na ausência do pão. Um Deus que, na sua misteriosa concepção de Amor se apresenta na fraternidade e na justiça, obrigatoriamente nos leva a sentir sua ausência na presença dos famintos e injustiçados.
O prato quebrado em milhões de cacos vazios é a própria expressão de um bilhão de famintos na face da Terra. É o rosto de Deus partido em fragmentos de dor, espalhado no rosto sem rosto dos filhos da miséria.
A misericórdia e a compaixão são a chuva que deve regar os campos e as colinas. O trabalho humano reconhecido e retribuído dignamente é o arado que deve sulcar a terra, arado este, confeccionado com o metal das armas derretidas e fundidas no novo, as milícias transformadas em mutirão, e as sementes serão então colocadas com carinho no seio da terra generosa, no ventre da fartura do amanhã.
Homens e mulheres são sementes plantadas ao pôr-do-sol. Nascem com a aurora e findam ao entardecer. São sementes criadas para serem boas sementes e darem bons frutos. Plantadas, farão florescer as árvores que foram entre a aurora e o pôr-do-sol. Suas obras, assim serão frutos, resplandecerão na manhã do novo dia, a cada nova aurora. E alimentarão a muitos, e o prato de Deus jamais ficará vazio.
Que nos vale ganhar fortunas, acumular prestígio, nos deixar seduzir pelos encantos do poder, se nada disso entrará conosco na terra e nos servirá na presença de Deus, na nossa aurora definitiva? Ele nos mostrará seu prato vazio e nos perguntará porque não O alimentamos quando Ele estava com fome e não lhe demos de beber quando Ele estava com sede.
O prato de Deus está vazio.

Assuero Gomes



segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Um dia sem os mexicanos

                                         
Um dia sem os Mexicanos

O filme “Um dia sem os Mexicanos”  de Sérgio Arau mostra uma situação hipotética, onde uma nuvem misteriosa isolou o estado da Califórnia (talvez o estado mais rico do planeta) do restante dos Estados Unidos (metáfora da auto-suficiência capitalista) e do mundo.
A nuvem em questão, fez com que todos os imigrantes mexicanos desaparecessem, daquele lugar, como que por encanto. Vários personagens, que são estereótipos dos americanos e dos imigrantes dão vida à história.
Discriminados o tempo todo, perseguidos pela guarda de fronteira, por senadores racistas, por donos de terra e da agroindústria da fruticultura, repentinamente o estado se ver sem a mão-de-obra dos mexicanos. Aos poucos vão se dando conta de que é impossível viver sem eles, pois além da mão-de-obra essencial eles são os principais consumidores dos produtos do estado. Além de trabalharem como babás, empregados domésticos, trabalham na agricultura, nos mercados, nos escritórios, na manutenção dos serviços públicos, nos hospitais, na polícia, enfim em toda a cadeia produtiva, e mais ainda, são consumidores em muito maior escala que os americanos natos.
Ao assistir a este interessante filme, veio-me à mente e ao coração, a metáfora da eucaristia. Crendo que Deus enviou seu Filho único à Terra com a missão especial de servir à humanidade, em especial às pessoas pobres, carentes, marginalizadas, enfermas, injustiçadas, poderíamos afirmar com certeza, que é através destas pessoas que Jesus se nos apresenta. Mais ainda, são elas que preparam o banquete da Eucaristia. Penso não ainda na Eucaristia cósmica como Teillard de Chardin, mas na Eucaristia planetária.
São os pobres que acordam de madrugada para plantar e colher, são eles que lutam nas lavouras dos outros contra as intempéries e os baixos salários. São eles que carregam fardos nas costas, que sobem e descem montanhas e colinas a troco de quase nada. São eles que lavam as roupas sujas dos ricos e que limpam seus lixos, muitas vezes se alimentando deles. São eles que cuidam dos filhos dos patrões que um dia serão os patrões dos seus filhos. São eles que limpam as fossas, os prédios, que podam os jardins para que a primavera chegue mais bela.
São os pobres que limpam, escovam, varrem, pintam, consertam o planeta. São eles que respiram o ar mais poluído e bebem da água mais suja e comem da comida mais estragada.
São eles que preparam a mesa do banquete belo, misterioso e farto da mãe Terra. Preparam mas muito pouco lho usufruem.
Um dia sem os Pobres. Daria um belo filme de terror para os poucos privilegiados. O lixo se amontoaria nas cidades, os esgotos se entupiriam, os carros de luxo não seriam abastecidos, a filhinha da senhora não se arrumaria para a escola nem o almoço do deputado chegaria. Sua esposa não cortaria o cabelo, não pintaria as unhas, suas mãos estragariam com a água e o sabão na lavagem dos pratos e no recolhimento dos detritos, os sanitários sujos abalariam seu refinado olfato.
Não haveria cirurgias, nem atendimento, nem elevadores, nem nada. Um dia sem os Pobres, um dia sem Deus.

Assuero Gomes

domingo, 18 de setembro de 2011

Sobre o Poder

                                               Coroa, cetro e espada dos reis da Hungria


                                                                   Sobre o Poder



Como um fantasma sedutor ronda o poder a vida e a imaginação dos seres humanos. Seria tal qual um ídolo disposto a exigir sacrifícios. Por ele se imola os amigos, a honestidade, o tempo com os filhos, a emoção, o coração, a saúde, até a própria memória póstuma.
Enquanto diábolos (que separa) semeia a discórdia, a falsidade, a distorção cruel da meia palavra ou meia verdade, se esta existisse. Sua religião exige culto ao próprio ego, e para tal não medirá esforços nem se curvará a um mínimo de respeito ao outro, construindo escada, degrau por degrau, sobre os ossos dos que se interpuseram no caminho. Como todo ídolo, o poder dará em troca prestígio social, dinheiro, domínio, mas em um futuro breve, exigirá a solidão de seus adoradores, a fragmentação do seu eu, e finalmente a morte (morre-se quando não há mais comunicação).
Há, no entanto, outro tipo de poder. É o poder serviço. Ele é símbolo na medida em que une as realidades. Ele constrói e organiza o caos em cosmo. Dele emana a autoridade, a qual se obedece (escutar junto) em plena liberdade. É dele que vem a autoridade de um pai amoroso, ou de um médico. O poder serviço se alegra quando a comunidade que ele organiza cresce harmoniosamente, quando vê partilhado o fruto do trabalho igual e equitativamente por todos os que ajudaram a produzi-lo. Esse poder gera para quem o exerce, trabalho, sacrifício e testemunho, e mais adiante união, reconhecimento, amizade e vida. 
Podemos e devemos analisar e submeter todas as pessoas e instituições que, de uma maneira ou de outra, exercem algum tipo de autoridade sobre os outros, avaliando sobre qual destes dois tipos de poder se assentam sua personalidade e seu modo de administrar.
O tempo é propício. É tempo em que se agitam bandeiras, aparentemente idênticas, estampadas com imagens de idênticos semblantes, com palavras (sofismas) e palavras e palavras infindas. É o joio e o trigo a estourar num bailado de luzes midiáticas que entontece a quem o assiste. A dança dos poderes. Os dois, um de César o outro do Cristo, nas arenas circenses dos tempos.
É preciso se estar atento. Desde o condomínio de seu prédio, ao seu sindicato, ao seu clube, à sua cooperativa, à sua cidade, ao seu estado, à sua comunidade de fé, e ao seu país. São esferas cíclicas que se entrelaçam e exercem poder sobre nossas vidas. Serão como aguilhões de chumbo soldados a nossos pés ou serão chaves libertadoras, os frutos das nossas escolhas. Escolhas estas, feitas por nós, mas que atingirão outros em várias escalas de influência. Somos e seremos coniventes e cúmplices nos nossos erros e acertos, na graça e no pecado, na morte ou na vida.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Fomos merecedores de D. Helder?


Às vezes me pergunto se nossa geração, nossa arquidiocese de Olinda e Recife, o Brasil e a Igreja foi merecedora de ter tido D. Helder e convivido com ele. É como se nada tivesse mudado. Continuamos celebrando nossas missas enquanto os miseráveis perambulam perdidos nas ruas e sob as marquises, e nossas igrejas louvam e cantam (nada contra a princípio), como se no próprio Reino já vivêssemos instalados.
A violência, o abismo profundo entre os poucos ricos e os miseráveis, a falta de futuro nas periferias, e nós celebrando com as consciências adormecidas. O mundo pegando fogo e nós rezando nossas novenas e simpatias.
Fomos merecedores de um profeta como o Dom?

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Para que tantas igrejas?

   
                                                 detalhe do painel da Igreja de Dois Unidos

Por que tantas igrejas, quase uma em cada esquina? Tantas denominações, ou seriam dominações? Alguma coisa não está certa. O país produz grãos, carnes, frutas, laticínios em abundância. O Brasil tem milhares de igrejas para todos os cultos. O País vive um período de prosperidade sem igual, um período de democracia sem igual, mas há brasileirinhos comendo lixo e bebendo água podre. Há idosos derespeitados em todos os lugares. A corrupção grassa nas entranhas das pessoas e instituições. Há alguma coisa errada nisso tudo, ou as igrejas estão ineficientes ou insuficientes.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Em nome de Deus






Em nome de Deus

Em nome de Deus se mata e se morre, se derrete consciências, se mutila e se hierarquiza pessoas e instituições. Desfigura-se a Palavra, subverte-se a ordem do Reino instaurado por Jesus e se prostitui seu ensinamento, desvirtuando por preço vil, os pequeninos que deveriam estar sendo servidos e evangelizados.
Foi pelo nome de Deus, blasfemado em vão, que se destruíram civilizações inteiras e em seu nome, vilipendiados foram povos e religiões. Em nome de Deus dominaram a Terra e escravizaram seus animais e secaram suas torrentes de águas límpidas e envenenaram a alma (anima) do vento que corria livre nos campos do Senhor. Em nome de Deus cobriram de vergonha pudicas criaturas, impuseram-nas pesadas couraças de sentimentos de culpa, grilhões de pecados, para depois exibirem sua nudez em praça pública, ao calor de fogueiras inquisitoriais. Em nome de Deus se instaurou o pecado e se cobrou um preço impagável aos pobres, tornando-os dependentes de um perdão comprado a peso de suor, lágrimas, e doações, renovados a cada dia, enquanto não se movia um dedo sequer para lhes aliviar a dor, que não era sua.
Refestelando-se em poltronas e almofadas, com suas ancas gordas, comendo iguarias refinadas, os que inventaram o pecado engordam mais e mais, enquanto os famintos desfilam em magras procissões, subindo e descendo morros com suas ladainhas tristes, entoadas em nome de Deus.
Em nome de Deus a situação permanece imutável pelos séculos e a cada esquina surge uma nova capela ou templo, e os sacerdotes e pastores gritam e cantam cada vez mais alto, e pedem em nome de Deus, e ameaçam com o inferno eterno, em nome de Deus, de tal maneira que vestem roupas coloridas ou terno e gravata, e dançam e pulam e esbravejam, e vendem como mascates de antigamente com grande alarido seus produtos e poderes, tudo em nome de Deus; e galgam posições políticas de destaque no mundo dos homens, e compram e vendem favores, indulgências, redes de televisão e rádio e jornais, e administram e governam como se governa no reino de César.
Ostentando do que falta para a imensa multidão de miseráveis, constroem para si, verdadeiros ídolos de ouro e lhes rendem culto idolátrico, pois lhes sacrificam a própria decência, honestidade, os filhos e a esposa, e já não conseguem sobreviver sem o dinheiro plastificado em mil cartões atraentes, dourados e prateados, sem os carros, sem as mansões, sem os restaurantes de luxo, como gordas vacas de Basã.
Em nome de Deus se destrói um mundo tão belo e sustentado pela harmonia misteriosa de um Amor derramado em ternura e misericórdia, que sua memória, a depender das religiões e instituições, poderá ser banida do futuro e tornar-se apenas uma pintura em alguma parede desbotada, ou um pergaminho escondido nalgum museu vazio de nossa lembrança.
Em nome de Deus nos ergamos de nosso sono secular, limpemos nossa poeira, calcemos nossas sandálias e arejemos nossas igrejas e grupos de fé, deixemos o vento (pneuma) derrubar as portas e as grades e romper os cadeados, deixemos enfim a Vida respirar e se renovar, para que jamais, jamais, pronunciemos o nome dele em vão.

Assuero Gomes
Cristão católico leigo da Igreja de Olinda e Recife 

terça-feira, 13 de setembro de 2011

O lavrador, o intelectual e o profeta.

                                           O lavrador, o intelectual e o profeta.


Estava o intelectual sobre as costas de um lavrador, que arava o campo do seu senhor, sob sol a pino. Ambos eram homens honestos. O primeiro, que era versado em letras, filosofia, arte e teologia, compungido com a sorte do pobre homem, pesquisava, lia, estudava a condição da miséria humana, a exploração do trabalho pelo capital, procurava em Marx, Lênin, Tolstoi, Max Weber, Voltaire, uma solução para a triste sina daquele campesino.
Quanto ao lavrador, pensava num prato de comida mais farto, num pedaço de doce, num copo de água limpa. Pensava nos filhos e nas filhas e na mulher que tinham a mesma desdita dele, arar, semear e colher a terra dos outros, os frutos dos outros, e esse sol inclemente...
O intelectual não saía das costas do lavrador, mesmo com toda a leveza de sua piedade, ele pesava bastante, naquele dorso cansado e recurvado não tanto pela idade, mas pelo trabalho sem descanso, pela labuta feroz, pela desnutrição, pela falta de esperança.
Passando por ali um sacerdote, apressado para celebrar a missa dominical, em preparação para a páscoa, mesmo admirando o inusitado do quadro, cumprimentou o intelectual e passou ao largo. O homem no arado não pode falar com o padre, pois o peso nas suas costas não permitia que erguesse a cabeça; logo em seguida passou o político, que fez um pequeno discurso sobre o valor do trabalho e do aprendizado e da cultura, mas como também ia para a igreja se preparar para a celebração, foi logo se retirando.
O suor pingava da testa, dos ombros e dos olhos do trabalhador, e quase lágrimas pingavam dos olhos do professor, aliás, mestre e doutor. Mas a situação permanecia como que imóvel, não fosse pelo ir i vir do agricultor, cavando a terra e jogando as sementes e apartando as ervas daninhas.
O doutor estava tão acostumado àquela posição que já não imaginava ser possível viver em outra situação, e o lavrador pensava que o destino e a fatalidade o haviam escolhido para que assim vivesse para sempre, até quando a morte o libertasse.
O que estava em cima sonhava com revolução, luta de classes e poesia dialética, o de baixo continuava sonhando com comida e um pedaço de terra só seu, numa simbiose cruel, os dois conviviam entre os corpos e os sonhos, entre as aspirações e as nulas realizações. Quanto mais livros o intelectual lia, mais peso sobre os ombros do lavrador era acrescido. Parecia, de longe, uma só pessoa.
Helder chegou ao local. Achou estranhíssima a cena. Viu a Europa sobre a África. Viu a Igreja sobre o Povo de Deus, viu o norte sobre a América Latina; então, indignado, como ousa ser a indignação dos profetas, tomou o arado da mão do pobre, pediu ao professor para colher algumas espigas, sentou-se à sombra e fez uma refeição com eles.

Assuero Gomes
Médico e escritor

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Em nome do Pai

Em nome do Pai

Em nome do Pai proibimos tantas coisas e podamos tantos caminhos. Em nome do Pai muitas vezes massacramos os irmãos e em vez de formá-los, os deformamos. Em nome do Pai construímos sistemas nos quais aprisionamos, castelos onde isolamos, catedrais e conventos onde excluímos.
Matamos em nome do Pai. Cercamos, muramos, proibimos. Fazemos uma prece em nome do Pai com o nosso nome. Desconhecemos os irmãos em nome do Pai, defloramos as irmãs em nome do Pai.
O assombro da noite escura, tenebrosa e cega, espalhamos em nome do Pai. Pisamos no jardim que o irmão plantou, arrancamos suas raízes, salgamos o chão com ranço fratricida da disputa, tudo em nome do Pai.
Tolhemos o amanhã, enterramos os talentos e apagamos as chamas tênues, tudo em nome do Pai. Esquecemos o passado, delatamos as lembranças de outrem, confessamos os pecados alheios, em nome do Pai. E quanta amargura vertemos nas taças dos outros em nome do Pai!
Comemos o pão que o pobre plantou e que não comeu, debulhamos o trigo que não semeamos, guardamos o fruto da videira que não cuidamos, para vendê-los por um bom preço, na celebração mercantil nossa de cada dia, em nome do Pai.
Pisoteamos o sal e escondemos a luz dos irmãos para que sejamos notados pelo Pai. Empurramos o trôpego, embebedamos mais ainda o bêbado, e entornamos seu fermento na lama, como Caim, encharcado de vermelho, que certamente não é do vinho da fraternidade.
A fome campeia, a sede seca e a violência mata nos campos do Pai, como se sua vontade fosse. A triste melodia ecoa por ouvidos indiferentes à voz do Pai, e para não ouvi-la, cantamos nossas canções e hinos profanos no mais alto dos tons, em nome do Pai.
O mendigo pede em nome do Pai o que lhe é de direito por herança legítima. Indiferentes, comemos e bebemos como se fôssemos filhos únicos. Alardeamos através de todos os ventos e sobre todos os mares a grandeza e a magnificência do Pai, compomos odes em seu louvor, como se lhe acrescentassem algum milímetro sequer, mas esquecemos de acudir o irmão e a irmã, que se tornaram invisíveis para nós.
Em nome do Pai colocamos mais cruzes nos ombros dos irmãos, penduramos sobre elas nossas mazelas, nossos recalques e nossa desesperança, para que ele as carregue sozinho. Como se não bastasse o calvário da sobrevivência de cada dia, impomos nossa vontade aqui na terra como se fosse dos céus, e se não perdoamos as ofensas de ninguém, perdoamos as nossas mesmas em nome do Pai.
Celebramos a eucaristia ao Pai com a consciência tranquila, tranquila, como se fôssemos os melhores irmãos do mundo e os filhos mais amorosos que um pai pudesse desejar.
Esquecemos (ou escondemos) de mostrar o carinho do Pai. Um Pai amoroso e incansável em procurar a felicidade de todos os seus filhos e filhas, que transborda de misericórdia e compaixão, que se alegra até com um simples copo d’água que é dado em seu nome a um desses filhos pequeninos. Esquecemos de dizer que é um Pai que não gosta de ser chamado de ‘senhor’ e que não suporta ouro, prata nem diamantes, mas que move todo o universo para atender uma lágrima de súplica de um menino de rua.
Ao amigo e irmão D. Fernando Saburido, na sua profética missão pastoral de reconstruir a unidade, no amor fraterno.

Assuero Gomes
Médico e Escritor





domingo, 11 de setembro de 2011

O Anel de Tucum

Este blog pretende ser um espaço democrático onde se poderá refletir, questionar, discutir, questões relacionadas à mensagem de Jesus de Nazaré, ao seu movimento dentro do judaísmo e que originou várias ramificações de manifestações religiosas e suas igrejas, as questões teológicas e eclesiais, dogmas, doutrinas, história, enfim um espaço onde se possa pensar e discutir a fé.