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domingo, 23 de outubro de 2011

Sobre os votos dos religiosos...

                                      Painel "S. Vicente e Sta. Luísa" na Igreja de Dois Unidos
                                                        acrílico sobre tela 2 X 2 m




    
Reflexão sobre os votos dos religiosos, a saber: pobreza, castidade e obediência, e mais um, o de estabilidade, para os lazaristas.

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A relação de Deus com a humanidade, em toda a Bíblia é revelada, através da linguagem profética, como um relacionamento amoroso de esposo e esposa. No Antigo Testamento, a humanidade está nitidamente representada pelo Povo de Deus.

O relacionamento matrimonial de Deus com a humanidade ora se apresenta idílico, ora conturbado, sempre passional. Creio que podemos refletir um pouco sobre os votos a partir deste prisma de visão: as grandes bodas do Criador com suas criaturas humanas, e também das bodas de seu Filho com a humanidade através da Igreja.

Javé é o único Deus da antiguidade, ou melhor de todos os tempos, que não é uma criação sacerdotal nem uma criação da casta real. Todas as outras divindades sempre estiveram a serviço do poder político, militar e sacerdotal. Mesmo o monoteísmo instituído por Amenófis IV era apenas uma forma de concentrar poder na mão do Faraó em detrimento das várias linhagens sacerdotais das muitas divindades egípcias.
Javé vai aparecer na história com um Deus que se preocupa com o sofrimento do povo escravizado. Esta é uma característica que ninguém nem nenhuma instituição por mais que queira poder apagar ou negar. Deus se manifesta na história por causa do sofrimento do pobre, portanto, o casamento de Deus com a humanidade se faz por causa dos pobres. Os pobres são a causa primeira e última de todas as manifestações de Deus, desde a sua presença no monte Sinai até a manifestação do Espírito em pentecostes.

Pensando assim, creio que os votos que, todo cristão e cristã possam ou devam fazer, teriam que passar obrigatoriamente por este crivo de consciência. A consciência do amor carnal (visceral) que Deus tem com a humanidade (leia-se com os pobres).

Casar-se com um pobre ou uma pobre, mesmo você sendo rico (aqui nós podemos pensar em todos os tipos de riquezas, material, intelectual, cultural, social, familiar, profissional), requer em primeiro lugar uma aceitação, sem entraves nem senões, da condição do outro.

Amar é tornar-se igual.

É imprescindível se tornar como o pobre para amar a Deus como Ele nos ama, se isso é possível.

Muitos padres diocesanos criticam de uma maneira velada e os leigos nem tão veladamente assim, o voto de pobreza de alguns religiosos(a). Dizem que estes fazem os votos, mas quem cumpre são eles na verdade, os diocesanos. É uma pequena ironia fraterna, mas que tem muito de verdade.
Há ordens religiosas, especialmente as de monastérios, nas quais os monges ou as monjas vivem com algumas horas de oração, alguma leitura, têm acesso irrestrito aos meios de comunicação, culturais e de lazer, e ainda comem tão bem, muito mais até de que qualquer empresário de multinacional. São servidos por “irmãos” ou “irmãs” serviçais com as mais finas iguarias, entre obras de arte e ouvindo canto gregoriano, ainda há o acinte dos superiores terem melhor comida que os outros. Não se preocupam com dinheiro para comida, gasto pessoal, roupa, medicamentos, transporte, não pagam impostos, não sustentam os filhos quando os têm escondido.

Não me parece um caminho seguro para se cumprir com o voto de pobreza. Lembro que Francisco e Vicente jamais quiseram tal modo de vida para si nem para seus seguidores, salvo engano meu. Tinham eles verdadeiro pavor quanto a possuir bens, posses, estatutos, prédios, etc...

O caminho mais seguro para se seguir com o voto de pobreza é em primeiro lugar pedir a misericórdia de Deus, que jamais falta, e amar os pobres. Radicalmente amar os pobres este é o voto de pobreza, então seu voto vai ser: não um fardo nem uma algema, mas uma fonte no deserto com água límpida e fresca, ou um bálsamo para os pés feridos da caminhada, um refrigério da alma e do corpo.

A castidade num casamento é o menos que se quer, tudo menos a castidade entre o homem e a mulher quando se casam. O prazer da relação sexual plena (aqui quando há uma plenitude de comunhão ao nível de ágape, filos e Eros) é semelhante a um encontro místico, ou a uma revelação divina. Os gregos e todas as religiões orientais místicas já sabiam disso há muito tempo, leia-se também O Cântico dos Cânticos). Historicamente a partir da restauração da Igreja no século X, através dos monges ascetas do Mosteiro de Cluny principalmente, que deram origem a toda a casta de poder na hierarquia da Igreja, transportaram e obrigaram todos os padres seculares, religiosos, religiosas, ordens leigas e tudo que quisesse se aproximar do “sagrado” a ter uma postura fóbica em relação ao prazer e especialmente ao prazer sexual.
Retornando à nossa análise do casamento de Deus com a humanidade vemos que toda a sagrada escritura que trata deste relacionamento descreve-o com o relacionamento marital de um homem que se apaixona perdidamente até às últimas conseqüências por uma mulher, cuja origem não é tão nobre (encontrei-te largada na estrada, em farrapos, maltratada, possuída por vários amantes...), que o trai, que retorna a ele e ele a perdoa, tantas e tantas vezes, desde que ela se arrependa. O marido é casto, mesmo a esposa sendo devassa, pois ele a ama e não procura outra. Deus é casto por sua fidelidade ao povo que ama. Penso que esta poderia ser uma forma cristã radical de se viver a castidade: ser fiel aos pobres, mesmo quando a instituição não o é, mesmo quando o mundo diz não, mesmo quando a fé diz não, mesmo até quando o pobre não percebe e renega. Ser casto é vencer as tentações do mundo, e se manter fiel.
Obediência no matrimônio, por mais que a tentação seja grande, por mais que Paulo tenha escrito algo semelhante, não é se ter um chefe no lar, nem um cabeça de casal, ao qual o outro está subordinado. Obediência é se escutar junto. Um e outro ouvirem a mesma Palavra e cada qual decidir em comum acordo o que é melhor para a família. A obediência jamais será cega, pois assim alimentará a tirania, e amolará a faca do sacrifício. Até Deus, sendo Deus, escuta os pedidos, as queixas e até os desaforos do seu povo. Suporta com paciência, educa e ama sem limites.
Creio que o voto de obediência é quando se escuta Palavra de Deus, junto com a comunidade, e como homens e mulheres adultos e livres, a discutem e de comum acordo a coloca a serviço dos mais pobres. Assim sendo seu voto será uma chave de libertação e servirá para a libertação dos seus irmãos e irmãs.
Acaso eu tivesse algum prestígio, por menor que fosse, junto a Vicente e a Luísa pediria para que mudassem o nome do voto de estabilidade para o de Perseverança. Esse voto, pediria também, que fosse o cimento e a argamassa que unisse a pobreza, a castidade e a obediência, de tal maneira que já não fossem quatro mas um apenas.
Um velho padre amigo meu, que já goza da harmonia de Deus há alguns anos, dizia-me que com o passar dos anos o que mais ele pedia a Deus era o dom da perseverança. Com o passar do tempo, começo a compreendê-lo melhor. Mais que um voto esse é um dom, primo-irmão da fé. Peço a Vicente e Luísa que lá de cima o derrame para seus seguidores e admiradores.
O matrimônio definitivo de Deus com a humanidade se consumou através de Jesus Cristo. Ouçamos e meditemos:



    
    
  1 No terceiro dia, houve uma festa de casamento em Caná da Galiléia, e a mãe de Jesus estava aí.
No terceiro dia, a carne da humanidade já decomposta como uma morta na sua tumba, não percebe ainda a grande novidade. Em vez de choro e velório, uma festa. A primeira mulher da nova criação está presente. Ela e seu filho, Jesus.




2 Jesus também tinha sido convidado para essa festa de casamento, junto com seus discípulos.
A festa vai se consumar agora. Ela está preparada desde o começo do mundo. Jesus e seus amigos são convidados. O mundo como que esperou esse momento.


 3 Faltou vinho e a mãe de Jesus lhe disse: "Eles não têm mais vinho!"  
A humanidade já estava morta. Não há mais vinho, não havia mais festa, nem alegria. Era o terceiro dia. Decepção. A noiva envelhecida jazia há três dias. Não havia mais alegria, nem festa nem vinho. A vida perdera o sabor.


4 Jesus respondeu: "Mulher, que existe entre nós? Minha hora ainda não chegou." 
Quem sabe faz a hora. A mulher está preocupada. A festa vai acabar. Há que se apressar Jesus, há que instigá-lo. O que existe entre Deus e a humanidade? Jesus. Sua hora é agora. Maria sabe disso. Jesus cede. É um Deus que atende.




 5 A mãe de Jesus disse aos que estavam servindo: "Façam o que ele mandar."
Jesus vai agir através dos pobres, aqueles que servem. Atende ao pedido de Maria, ela coloca os pobres em ação. A humanidade será redimida pela ação de Jesus através dos que servem, se eles fizerem o que Jesus mandar.

                                             
6 Havia aí seis potes de pedra de uns cem litros cada um, que serviam para os ritos de purificação dos judeus. 
A humanidade antiga, a festa antiga com seus ritos de purificação. Seis, a metade de doze. Vazios de nada. A festa e o tempo passado acabou. Maria movimenta a história com seu filho através do serviço dos pobres. Para nada serviria mais aquelas talhas de purificação.



7 Jesus disse aos que serviam: "Encham de água esses potes." Eles encheram os potes até a boca.
Os que servem obedecem (escutam) Jesus e agem. Da sua presteza vai surgir uma nova humanidade, alicerçada na escuta e no serviço. Do velho surgirá o novo. Da morte a vida.




8 Depois Jesus disse: "Agora tirem e levem ao mestre-sala." Então levaram ao mestre-sala.
Os pobres continuam trabalhando em obediência (escuta) à voz de Jesus. Seu trabalho agora vai ser mostrado a todos e a todas daquela festa. Ainda assim é um servo que atende a Jesus, o mestre de cerimônia.


 9 Este provou a água transformada em vinho, sem saber de onde vinha. Os que serviam estavam sabendo, pois foram eles que tiraram a água. Então o mestre-sala chamou o noivo
Os que servem são os primeiros a saber da boa nova, pois eles sabem donde vem a novidade, trabalharam para isso. É admirável o novo vertendo o velho mundo em esquecimento e criando a vida plena de felicidade e alegria.


10 e disse: Todos servem primeiro o vinho bom e, quando os convidados estão bêbados, servem o pior. Você, porém, guardou o vinho bom até agora."
 
A primeira manifestação pública de Jesus está muito longe de ter sido realizada confinada numa cela de algum monge de cilício, em penitência por obediência a um superior do mosteiro, por este ter tido algum pensamento de prazer carnal, fazendo voto de pobreza.

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Assuero Gomes
                               

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