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sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Hipócrates maltrapilho, e amordaçado



Hipócrates maltrapilho, e amordaçado

A situação dos médicos está insustentável. Salvo as exceções dos super-especialistas que se dedicam à tecnologia de ponta, a imensa maioria sobrevive à custa de míseros salários públicos, com uma sobrecarga desumana, recebendo sobre si injustamente toda a revolta da população usuária de um sistema único de saúde falido, e aqueles colegas que se aventuram a manter um consultório que tem o nome fantasia de “particular” sofrem uma terrível carga tributária, além de onerosas taxas e impostos e contribuições obrigatórias para o exercício da profissão, para receber consultas defasadas a preços irrisórios de planos de saúde, quase sempre meses depois de terem sido realizadas, e ainda com as famigeradas glosas.
O maior sintoma desta situação é a falta de médicos em algumas especialidades vitais, tais como a pediatria. A situação está tão ruim que muitos profissionais que ingressam em serviço público através de concurso, desistem do emprego. Faltam também profissionais para plantões até na rede privada.
Agravando tudo isso, se inaugura uma nova faculdade de medicina em cada esquina, e ainda se quer abrir este combalido mercado de trabalho a médicos cubanos sem a devida validação de seus diplomas de origem.
Basta!
Houve um tempo, não muito distante, em que os discípulos de Hipócrates faziam ouvir sua voz, gerando respeito e produzindo dignidade para a classe. Além da nossa proletarização, temos que ter cuidado com uma nova ordem (desordem) de advogados de porta de cadeia (digo de hospitais), a serviço do lucro sobre a desgraça alheia, que como abutres sobrevoam as feridas do sistema, para abocanhar dinheiro dos infortúnios de uma situação insustentável. Repito, a sobrecarga de trabalho desumana, fazendo com que colegas trabalhem em vários plantões na semana ou atendam em vários serviços, sem descanso nem tempo para estudar continuamente, fatalmente gerará situações de risco para o paciente e para o médico.
Basta!
Expostos à mídia diariamente, colegas há que se dedicam a minorar o sofrimento dos pacientes, chegando ao cúmulo de atenderem mais de cem pessoas por dia em locais sem condições nenhuma. Pacientes internados recebendo medicação venosa em cadeiras por falta de leitos. Hospitais fechando. Planos de saúde se expandindo à custa do nosso sacrifício e de uma propaganda enganosa junto a uma população carente (se não assassinasse nossa amada língua pátria, ousaria dizer “carentíssima”) que procura desesperada uma assistência médica digna da condição humana.
Basta!
Vejo o médico, a médica, como Hipócrates. Atualmente não como um Hipócrates que tinha todo o tempo do mundo para ouvir e escutar seus pacientes, um Hipócrates que não se necessitava se preocupar como se sustentar nem a seus filhos, nem com as contas a pagar no final do mês. Vejo-nos hoje como um Hipócrates que se tornou um Lázaro. Os dois Lázaros, o da parábola, maltrapilho, que chegava a pedir as migalhas do rico para comer embaixo de sua mesa e o outro, amigo particular de Jesus, que estava enfaixado e amordaçado, no túmulo em Betânia, morto, ao qual o Senhor disse: “Vem!”. Retirem suas faixas para que se levante e ande com as próprias pernas.
Está na hora de nos levantar. Está na hora de sairmos do túmulo que o sistema nos preparou e nos colocou. Acordem as lideranças! Façam ouvir a voz de uma das classes mais dignas deste país, cujo reconhecimento da população é nosso maior aval. Basta de exploração do trabalho médico e de um sistema de saúde inacessível à população. Basta de palavras e discursos, que por mais belos que sejam, já saturam nossa paciência e esmorecem nossa esperança.

Assuero Gomes



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