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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Curativo sobre a ferida seca






Curativo sobre a ferida seca

Vejo o júbilo de jovens e de membros da nossa santa madre Igreja católica com a passagem da cruz de madeira abençoada pelo papa João Paulo II como também do ícone de Maria, em prol da juventude católica.
É um esforço para trazer esses jovens para a Igreja, num mundo repleto de símbolos e imagens de todos os tipos, ícones gravados até no próprio corpo em piercings e tatuagens, e uma multidão de opções religiosas, fragmentadas em tribos virtuais; talvez a Igreja seja como um farol derradeiro ou a última barca, atrasada, antes do dilúvio.
Custa muito, às vezes, anunciar o que se sente, quando a unanimidade morna ou o placebo que se coloca na cicatriz que não sara, como se fosse um grande curativo apenas para cobrir aos olhos alheios a feiúra da ferida.
Quando todos batem palmas e pedem bis, quando todos cantam e entram em transe, é difícil ser uma voz silenciosa que quer calar, mas não se obedece a si própria, não deixa calar.
A voz diz: “Eu não sou a Igreja. A Igreja é muito menos que Eu. A Igreja não é o Reino. O Reino é menor que Eu, a Igreja é muito menor que o Reino. Antes do Reino e da Igreja Eu Sou”.
A voz continua a ressoar dentro de mim: “Antes de levar os jovens à Igreja, trazei-os a mim, pois sou manso e humilde e meu jugo é leve e suave”.
Melhor seria calar, pois a festa é grande e a alegria parece contagiar as multidões. Acenam com lenços brancos, e músicas animadas são acompanhadas com danças e palmas.
“Enquanto levam a cruz de madeira pelas ruas não olham os crucificados nas calçadas”, insiste a voz. A palavra perturba, corta na raiz da consciência, cinde o espiritual do psicológico, o profano e o sagrado, o institucional e a fé.
Tentei argumentar: mas todos estão felizes, estavam afastados e agora pelo menos têm um motivo, para um encontro, mesmo que fugaz. Olhe a multidão, a divulgação, toda a cidade comenta.
Em vão.
“Seguem a imagem retratada da Mãe, mas não veem os filhos, seus irmãos, abandonados nas ruas”.
Repentinamente o que era efusivo tornou em reflexivo, o que era manhã tornou-se tarde e o vento em calmaria. A nuvem cobriu o sol e a voz retirou-se em silêncio, e deixou tudo aquilo como um rio que se vai sem tocar as margens, ou mesmo como um curativo que se faz sobre uma ferida seca.

Assuero Gomes

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