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quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

A hora de Portugal





A hora de Portugal



Fala-se muito na atual crise do país luso. Sempre achei que é nos momentos de crise que as grandes soluções são achadas, e a capacidade e a tenacidade da espécie humana dá mostra de sua genialidade. Só há grandes oportunidades nas crises, pois quando tudo está estável, tudo fica estável.

O brasileiro precisa entender que crise em Portugal não significa criança comendo lixo, nem criança fora da escola, nem assalto e assassinato em cada esquina, muito menos filas monumentais em postos de previdência social nem em ambulatórios médicos na rede pública.

Na crise, lá, o transporte público transporta na hora certa, as ruas são incrivelmente bem pavimentadas, o recolhimento do lixo é impecável e se anda à noite (até à madrugada) passeando nas largas avenidas ou frequentando tradicionais restaurantes, sem susto e sem medo.

Por que é a hora de se investir em Portugal?

Fiz essa pergunta ao amigo Renato Leal (renato.leal@b4.com.pt), que atenciosamente me respondeu apontando os motivos, os quais repasso aos caros leitores.

Caro Assuero: Há muitos motivos que considero relevantes para se investir em Portugal. Estas razões são mais intensas, quando se fala do investidor brasileiro:

Há recursos humanos bem preparados, principalmente nas áreas científicas e relacionadas com pesquisas, com um modelo muito interessante de interação entre incubadoras, universidades e empresas. Além disto, somos plenos de infraestrutura: banda larga praticamente universal e de máxima qualidade; estradas, portos e aeroportos; Portugal é a melhor plataforma logistica, economica e cultural para uma empresa brasileira que deseja penetrar na Europa e África; Instalada em Portugal, a empresa terá acesso a todos os estímulos dados as empresas portuguesas para exportar, pois esta á a unica saída para o Pais.

Neste momento – e não deve durar muito, há uma posição privilegiada em termos cambiais e uma redução dos preços dos ativos mobiliários e imobiliários, que possibilita grandes ganhos nas aquisições. Dupla vantagem.

A falta de liquidez das empresas, acelerada pela crise internacional;  e o seu grau elevado de dependência financeira dos bancos, fez com que algumas empresas de qualidade, com tecnologia de ponta, seja uma opotunidade de negócio.

E o país vem se modernizando nos últimos tempos a uma velocidade muito grande...

De sobra ainda há o fado, o bom vinho e azeite, e o deleite de ouvir a língua quase imaculada falada até pelos miúdos.



Assuero Gomes









domingo, 26 de fevereiro de 2012

Os olhos da mulher amada

                                                                Jeanne Hébuterne



Os olhos da mulher amada



São como lagos. Transparentes mas profundos. Refletem, um, a luz do sol mais luminoso, outro, a lua misteriosa e algumas estrelas fugidias. Ao primeiro olhar, descuidado talvez, possa parecer sua plena beleza como sendo esta, apenas o brilho emprestado do sol ou roubado de algumas estrelas e da lua. Mas, os olhos da amada são mais profundos. Eles externam a alma guardada em segredo, à espera do viajante definitivo, aquele que desvendará esses lagos, abaixo da superfície.

Verá que ora transbordam ora secam, conforme as marés interiores, com seus fluidos e ritmos próprios, pulsantes. O amante perceberá, apenas olhando, que mares navegar ou respeitar, quando atracar sua embarcação fugindo da tormenta ou quando se aventurar em busca da noite mais serena. Os olhos da mulher amada podem mostrar a mais bela das auroras ou o por do sol suave, e ainda assim guardar segredos, podem ainda, deixar se ouvir a melodia dos anjos ou o silêncio de uma oração.

Quanta ternura poderá derramar esses lagos, em lágrimas delicadas ou quanta dor poderão guardar numa aridez intrigante? Se a boca detém o véu mais inexpugnável de uma mulher, seus olhos são traiçoeiros para si mesma, pois revelam seu espírito, impudicamente.

Os olhos da mulher amada carregarão a imagem do seu amado, submersa nas águas profundas dos seus lagos, para que, mesmo que reflitam lugares distantes, países diversos, estações outonais, ele, seu amado, esteja guardado junto a si.

Quem mais perscrutou os olhos das mulheres, numa busca infinita por tesouros submersos, foi Amedeo Modigliani. Encontrou-os nos olhos de Jeanne Hébuterne, e nunca mais se perdeu; mas foi ela, e somente ela, quem encarnou a alma dos olhos da mulher amada à perfeição, na louca radicalidade de um amor total, vivido às últimas consequências. Um amor cego, sem concessões ou dúvidas. Um amor trágico como um vendaval. Como um punhal em brasa penetrando a carne branca e dilacerando um coração escafandro, submerso nas lágrimas de um lago inexpugnável.

Os olhos da mulher amada são ainda como faróis resplandecentes, que emprestam à luz da lua, uma beleza suave e estejam onde estiverem, irradiam sua claridade aos olhos do amado. Espelhos de cristais de açúcar, são escudos de desventuras e tristezas, filtros insones de imagens náufragas, íntimas imagens náufragas.

Olhos de ver por dentro, olhos de oásis e tempestade. Olhos de vida.



Assuero Gomes


Médico e escritor

  

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Che, ascenção e queda...




Che



Dos muitos heróis da infância e alguns da adolescência, talvez Che Guevara tenha sido um dos mais importantes. Sua imagem difundida desde o tempo em que só havia rádio, jornais, revistas e televisão, o tornou um ícone quase incólume ao desgaste natural dos tempos.

A esquerda tratou de canonizá-lo, aproximando a sua figura com a de Jesus: cabelo, barba, desprendimento, altruísmo, idealismo e martírio.

Che representava desde os ideais de nações socialmente justas, as lutas sindicais por melhores condições de trabalho, luta pela liberdade, direitos humanos, desenvolvimento dos povos até a conquista da paz fraterna entre os cidadãos e as nações.

Impressionou-me, certa vez, na década de 80, quando participava de uma missa no bairro operário de Paulo Afonso, no banco rude da igreja, alguém gravara o nome CHE. Pensei-o como modelo de cristão libertador.

A História, porém, é herege. Não obedece a dogmas. Desencava ossos por mais santos que sejam. Traz à luz o que fiéis seguidores gostariam de ver sepultado para sempre. Hoje o mito se derrete em sangue, e com ele escorre no bueiro as fantasias e utopias d’outrora.

O mito se esvai e deixa pouco da glória de um homem.

Há fortes indícios de que Ernesto Guevara era homofóbico: criou o primeiro reformatório para corrigir homossexuais, roqueiros e preguiçosos. É dele também a frase racista, escrita no seu Diário da Motocicleta “os negros mantiveram sua pureza racial graças ao pouco apego que têm em tomar banho”. Ainda há relatos de execuções sumárias a sangue frio de jovens que se suspeitava estarem traindo os ideais revolucionários pelo próprio Che, jovens de até 14 anos, às vezes na frente da mãe e um caso até mesmo de ter sido condenado à morte e executado por ter  comido leite condensado de uma lata roubada, sendo esse pertencente ao grupo dos próprios revolucionários.

Um fato muito interessante e pitoresco, se não fosse trágico nem grotesco, é que durante as várias execuções no paredon do presídio La Cabaña (fato denunciado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, item E de 7 de abril de 1967), antes dos presos serem executados, eram-lhes retirado em torno de 3 litros de sangue que seriam vendidos para o Vietnam do Norte, por causa da guerra de então, para trazer dólares para a Revolução.

Ernesto Guevara foi ainda  Embaixador, Presidente do Banco Nacional e Ministro da Indústria. Seus críticos afirmam que destruiu a economia do país quando diminuiu drasticamente a cultura da cana de açúcar e acabou com o turismo e expulsou os grandes empresários, que ironicamente apoiaram a revolução de Fidel. Um desastre administrativo, salvo em parte pela compra subsidiada pela Rússia de toda produção açucareira. O golpe final foi na década de 90 com o declínio do domínio comunista no Leste Europeu. O que resta é melancolia.



Assuero Gomes



quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Quaresma, cinzas e perdão


                             Quaresma, cinzas e perdão


Esse periodo, ao qual o carnaval antecede e sinaliza, chamado de quaresma nos remete aos quarenta anos que o Povo de Deus foi libertado do jugo dos egípcios e peregrinou durante quarenta anos através do deserto até à Terra Prometida, onde pode pela primeira ceiar sua Páscoa em liberdade.

Jesus vai retomar essa simbologia pascal, nos remetendo aos quarenta dias que passou no deserto, jejuando, preparando-se para sua missão, vencendo as tentações que sua condição humana lhe submeteram, para depois realizar a Páscoa definitiva (para nós cristãos).

O número 40 é simbólico, representa um tempo de travessia, de conversão (metanoia), de arrependimento (cinzas), de purificação, de caminhada. É também o tempo da espera com esperança da manifestação definitiva e suprema do amor de Deus para conosco. Deus sempre está pronto para celebrar a reconcialiação conosco, pois Ele é o Amor em estado puro e inviolável.

A única ocasião em que Ele não se reconciliará conosco é se nós mesmo não quisermos, pois um dos atributos do Amor é respeitar com delicadeza a opção (manifestação da liberdade) do Outro.

Assuero Gomes
assuerogomes@terra.com.br

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Entre pães e estrelas




Entre pães e estrelas

Há que se procurar D. Helder buscando ao alto sem descuidar do chão. Há que se pisar com cuidado sobre os pães por ele repartidos entre os pobres, sem descuidar das rimas, como estrelas salpicadas nos seus versos.
Cuidado, pise devagarzinho, para não acordar o mendigo que dorme sob jornais, pois só com muito amor ele permitirá que lhes distribua o pão do trigo que D. Helder plantou e depois colheu e depois moeu no seu sofrimento e compaixão, para torná-lo em pão de partilha.
Cuidado também quando olhares para as estrelas. Não as conte, apenas as cante, pois elas simbolizam corações-poetas de milhares de pobres que já se foram e agora reluzem junto ao seu pastor.
Não procurem D. Helder em cem anos, nem em duzentos, mesmo mil anos, pois embora haja anos chamados de luz, anjos não tem tempo nem passado nem presente nem futuro, são eternos...e se agora contamos a saudade em pedaços de tempos, centenários até, não mais precisamos do tempo, pois ele se eternizou nos nossos corações, na nossa história, na nossa cidade.
Não fiquem tristes nem eufóricos, se nas comemorações que estão por vir, não encontrarem seu espírito. Ele certamente estará fazendo refeição nalguma casa de palafita ou em um dos morros, ou confortando alguém que não encontrou atendimento médico nos hospitais públicos, ou mesmo recolhendo migalhas para alimentar os pombos e pardais.
Há que se procurar o Dom no meio de seu povo, sem mitras e sem báculos, sem pompa, sem pressa, sem holofotes, sem retoques e sem máscaras. Evitem os aglomerados em torno de discursos vazios, pois a única palavra que enche a barriga do pobre é a Palavra de Deus, pois ela é transformadora da realidade, as outras palavras, são as outras... certamente ele não estará aí.
Escutem a voz que suplica um pedaço de pão, escutem o trinado dos pássaros que mesmo desfigurados pelo vôo chegam ao destino sendo pássaros, escutem o matinho da calçada das Fronteiras crescendo, sigam o rastro de moedas deixadas pelo profeta ao raiar do dia para que os pobres dos mais pobres tenham este pedaço de pão, fujam, no entanto, dos doutores medalhados, simpósios e congressos que discutirão a supérflua conjuntura do destino da sombra da batina do bispo ou a ordem de entrada na procissão da celebração solene dos cem anos de uma estátua...ah, como o Dom estará longe disso!
D. Helder está entre os pães e as estrelas. Lá o encontrarão, até mais, encontrarão a si mesmos. Encontrarão seus sonhos adolescentes de mudar o mundo, sua seiva profética de denunciar as injustiças, sua gana adormecida de lutar por um mundo mais justo em favor dos oprimidos. Encontrarão o Dom, acordado nos seus dias e noites ininterruptas de trabalho e oração, cuidando do pobre.
Quando o encontrarem lembrem-se de partilhar o pão e de partilhar as estrelas, pois são feitos da mesma substância, da sua substância, da substância do Dom, que atravessa séculos e se mantêm atual, presente, vivo. Assim e só assim poderemos celebrar, sem envelhecermos o aniversário do dom da vida de um profeta que vive entre nós.


Assuero Gomes
Cristão católico da Arquidiocese de Olinda e Recife

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Che

Che.

Das decepções que tive na vida, talvez essa seja uma das mais fortes.

Relendo e revisando a história, o homem Ernesto Guevara, que surge está muito distante do idealizado na mente da juventude por mais de 50 anos.
Violento, racista e homofóbico. Megalomaníaco (pesunção de onisciência). A imagem do ídolo se derrete em sangue.
Assuero.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Libertando o prisioneiro do Vaticano




Libertando o prisioneiro do Vaticano

Sonhei um sonho, desses que a gente sonha juntos. Um sonho de cinquenta anos, passado em Roma, num castelo medieval. Havia um prisioneiro, um homem bom, bonachão na verdade, um camponês feito príncipe, por essas coisas do vento propício do acaso, que alguns chamam destino e onde eu prefiro ver a providência.
Tendo ido ao encontro do seu destino, João, pois esse era seu nome, ousou mexer na coorte. E para isso, convocou os barões e duques e arquiduques, e ainda os condes e viscondes e muitos outros membros honoríficos da nobreza, para que as deliberações fossem tomadas da forma mais colegiada possível, na tentativa de tornar aquele reinado mais humano.
Não sei bem com certeza, pois os sonhos são nebulosos às vezes, houve como que uma conspiração da nobreza, para que o camponês não lograsse êxito no seu bom intento. E aconteceu, nesse sonho, uma noite escura, onde aprisionaram o homem, de maneira até sutil, pois podia vagar entre o jardim, o mausoléu, o museu e o palácio e ainda um outro palácio de verão. Jamais, porém, poderia se aventurar fora daqueles limites institucionais. E o sonho acabaria em pesadelo, não fosse permitido sonhar, mesmo que se pense impossível mudar a realidade dos sonhos.
Surge um cavaleiro, mas desses que não aparentam nada de garbo nem de poder humano. Pequeno, magro, um tanto calvo, montado em um jumentinho, sem espada nem lança nem escudo. Saído como que de um conto de um Cervantes nordestino, a investir contra as muralhas, as grades, as masmorras, os ferros de suplício, os cadeados e os grilhões, numa tentativa desesperada de salvar o camponês, suas idéias e seus ideais.
No meu sonho, o cavaleiro conseguia derrubar os muros, libertava o cativo, abria para sempre as portas e as janelas, deixava o vento livre, renovar a construção, e chamava os pobres de todas as Romas para uma grande festa, uma festa como jamais se vira em tal reino, de maneira que nunca mais houvesse senhores nem vassalos. E o pequeno cavaleiro andante, de sonhar sonhos coletivos de libertação, chamado de Helder, num dia claro de verão, desses dias que ninguém esquece, proclamava juntamente com João, os cinquenta anos desse sonho, e anunciavam em alto som, que o sonho não acabou. O sonho jamais acaba para aqueles que acreditam nos sonhos de sonhar juntos. 

Assuero Gomes
Médico e escritor  

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Francisco e Helder









Francisco e Helder



Novembro é o mês de todos os santos, de Francisco também. Um sacramento de Jesus para seu povo e para todos os povos. Francisco inspirou e continua inspirando milhares e milhares de seres humanos, cristãos e não cristãos, até ateus de bom coração e sinceridade de propósito; continua instigando a Igreja a se tornar cada vez mais fiel ao seu fundador, continua questionando a consciência dos poderosos desse mundo em relação aos pobres e à natureza em geral. Dentre esses milhares que inspirou e inspira, um deles é o nosso Dom. Imagino a seguinte cena:
Caminhava Francisco e Helder pelos campos da Perúgia celeste. Era primavera no céu. Sempre primavera, eterna primavera. Clara colhia algumas flores mais atrás com Vicente e Luísa. Helder perguntou ao pobrezinho de Assis:
-Francisco qual é a maior felicidade que se pode experimentar?
Ao que o santo respondeu:
-Meu irmão, a maior felicidade é estar aqui.
-Mas lá na terra qual seria? Insistiu o Dom com a mão direita no coração e a esquerda apontando para baixo.
-Na terra é quando caminhamos léguas e mais léguas pelo sertão afora e vamos passando por aqueles pobres carregando uma lata d´água pesada e barrenta na cabeça, e mesmo sem ter nada para comer, com filhos e mais filhos, vão cantando louvores a Deus vão caminhando sem outra qualquer esperança...
-Então nós vamos e os ajudamos a sobreviverem e os organizamos em comunidades para, através da partilha, exigirem e conseguirem seus direitos – completou D. Helder.
-Mesmo assim esta não é a maior felicidade. Caminhando após termos conseguido isso, devemos nos sentir como servos inúteis, que não fizeram mais que sua obrigação...
-E então Francisco qual é a maior felicidade?
-Quando sedentos chegarmos à casa de um fazendeiro e pedirmos um pouco de água e ele nos enxotar com impropérios, nos chamando de vagabundos e achar que queremos invadir suas terras, e mandar seus empregados armados contra nós...devemos nos alegrar, mas ainda assim não será a felicidade definitiva na terra...
-Diga-me querido irmão do sol e da lua e da água casta, qual é a felicidade verdadeira?
-Ao sairmos dali, daquelas terras, não devemos sacudir o pó das sandálias, pois não nos cabe julgar, mas continuando a caminhar, já esfarrapados na roupa e na pele, batermos na porta da igreja e vier nos atender o guardião, e este nos empurrar escada abaixo, em direção à rua, dizendo que ali não é lugar de marginais e sim de orações e de gente de bem, e se formos capazes de continuar amando a Igreja com todas as nossas forças e o nosso coração e o nosso entendimento, e ao fazendeiro, e aos seus capatazes, e ao irmão guardião do templo, e após tudo isso dançarmos ao som do vento e bendizermos ao Criador, assim teremos chegado à felicidade, Helder meu irmão.

Assuero Gomes