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sexta-feira, 16 de março de 2012

O Médico






O Médico



O médico há de ser tão hábil com as palavras quanto com o silêncio. Ser prudente como uma mãe que carrega seus filhos no colo ao atravessar uma larga avenida estrangeira. Destreza e perícia devem ser os fios condutores de sua arte e de seu ofício, e lembrar sempre que a palavra corta mais que o bisturi, drena e limpa mais feridas que qualquer ato cirúrgico, e que esta mesma palavra se mal aplicada, pode lesionar ou amputar uma alma para sempre, irremediavelmente.

O médico jamais recebe comissões por seu trabalho, nem mesmo salário, nem abonos ou gratificações, pois sua arte não tem preço. Concede o direito de retribuição a título de honra (honorário), pois é digno e justo. É claro e límpido nas suas ações e condutas, frente à sua família, ao paciente e aos seus familiares, estendendo seu comportamento à toda sociedade. Deve ser suave no trato às pessoas, diligente e equânime. Atencioso e com postura ereta em todo lugar no qual se apresenta, exercendo ou não seu trabalho, pois ele é espelho no qual se reflete a esperança das pessoas, inspiração e aspiração para os jovens, emanando da sua pessoa, conceitos que serão aspergidos por sobre toda classe médica.

Há que ser culto sem ser esnobe, e ter a consciência que, por mais hábil que seja, mais informado, mais competente, será apenas um ser humano ajudando o outro na sua fragilidade. Curar, amenizar o sofrimento, consolar, são atributos de Deus, do qual somos infiéis depositários de uma graça que não merecemos. Um dia o médico, sua esposa ou seu filho estarão recebendo os cuidados de outro médico, isso faz parte da inexorabilidade da vida; por isso, jamais, em momento algum, deve receber alguma compensação por atender outro médico, isso, por si só já é uma honra. Participará com determinação e vontade inquebrantável de todas as lutas justas da sua classe.

Há que ter poesia no seu espírito, pois de que outra maneira suportaria o sofrimento do outro?  Quanto à fé, não se pode compreender um ser humano que vai a um lugar de onde os outros fogem, os umbrais da morte, o vale da dor e das lágrimas, o misterioso limite do suportável, sem ter fé. A fé será seu único alimento em algumas situações e sem ela, certamente o médico perecerá, a não ser que não seja humano, então não seria médico.

Deve levar sempre consigo um lenço limpo, e não idolatrar a tecnologia sedutora, não fumar e se trajar de forma coerente com a pessoa que é. Jamais se embriagar, respeitar as leis de seu coração e o limite de seu corpo. Lembrar que o país no qual nasceu é a extensão de seu corpo, portanto você está inserido carnalmente nele. O médico não é uma pessoa comum. É um formador de opinião e é o ser humano que se lhe é permitido chegar mais perto da alma do outro. O sacerdote, no seu ofício sagrado, chega perto desta íntima e delicada relação com outro, no entanto, dificilmente um fiel se mostrará desnudo a um sacerdote, e muito menos permitirá que este lhe perscrute suas mucosas e suas vísceras.

O médico não decidirá sobre sua conduta, pressionado por quem quer seja, nem por forças ocultas, nem religiosas, nem econômicas, nem políticas. Respirará e transpirará Ética todos os dias de sua vida sobre a Terra, e terá uma atenção especial para com os pobres no seu momento de dor, sempre, pois serão eles que o receberão, quando as glórias humanas tiverem passado e das vaidades restarem apenas umas poucas palavras nalguma lápide esquecida varrida pelo vento do tempo e do esquecimento.



Assuero Gomes


Médico e escritor

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