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segunda-feira, 14 de maio de 2012

Maria, mãe




                                                                  by David Gomes


                                                                  Maria, mãe



Fizéssemos um caminho para entender os atalhos e desvios dos conceitos e preconceitos que vivem dentro de nós e dentro da nossa sociedade, certamente teríamos muitas surpresas e descobertas. São sentimentos enraizados desde o Brasil colônia portuguesa, a maioria das vezes inconscientes e incorporados no nosso dia a dia, que nem nos damos conta.

Como num exercício reflexivo vamos fazendo nossas escolhas para os cargos de comando, de administração, de direção, enfim, de poder: entre o homem e a mulher, a sociedade escolheria o homem, entre um branco e um negro, o branco. Entre o educado de nível superior e o analfabeto, o educado e, se, entre o educado no Brasil e outro com curso superior na Europa, este último, com certeza. Entre o jovem e o idoso, o jovem. Entre o católico e o umbandista, o católico. Entre o sadio ou o portador de alguma enfermidade não incapacitante, o sadio. Entre o pobre honesto e o rico esperto, o rico. Entre o trabalhador e o que vive de rendas, este último. Estranhas nossas opções, mas elas nos revelam o porque de termos chegado com o Brasil aonde chegamos.

Ouçam uma carta de uma mãe brasileira, igual a tantas outras:

Não tenho trabalho, sou negra, pobre. Vivo de favor, pedindo a um e a outro. Grávida, já ninguém me quer, nem patroa nem homem. Doente. Sem remédio. Sem comida. Desnutrida, a natureza suga minhas últimas proteínas para o filho que está no ventre. Não tenho nenhum lugar para nós dois. Nem mesmo um para mim nem um para ele. Mãe sem marido, sem família, sem futuro. Sem saúde. Uma chaga para a sociedade. Roupa esfarrapada. Um rosário de nódulos carrego pelo corpo. O sangue fraco. Sífilis, cancro, anemia, Aids, tuberculose, desnutrição. Sou um estorno, um transtorno.

Quem vai me empregar? Quem vai me socorrer?

Nas noites, dormindo nas calçadas sujas, rezo: Ave Maria, veja minha desgraça. Onde está o Senhor? Sou maldita entre as mulheres? É maldito o filho do meu ventre? Santa Maria, mãe de Jesus, olha para mim, sofredora, agora nesta hora que é de morte para mim.

Procuro abrigo, procuro justiça, procuro pão, mas a resposta é a mesma: -Não há lugar para vocês. Procuro entrar nos templos : - Aqui não há lugar para vocês. Procuro a maternidade:- Aqui não há vaga para vocês.

E mais uma vez vou rezando minha ladainha de sofrimentos pelas portas da cidade, uma Belém às avessas. Todas fechadas. Todas surdas e cegas.

Uma só coisa me mantém viva, uma só certeza: Sou filha de Deus, amada por Ele até o infinito, e cada lágrima derramada por mim é retida e contabilizada por Ele e por sua Mãe, que as vão juntando num terço cristalino, mais lindo e brilhante que qualquer ouro de Ofir, mais resplandecente que a chuva. Cada lágrima minha é uma chuva no coração de Maria, mãe de Deus, minha mãe.

Um feliz dia das mães para todas as leitoras e leitores, pois certamente todo dia é dia das mães, uma vez que a grande maioria das mulheres é mãe, e o restante da humanidade nasceu também de uma delas. Especialmente para as mulheres que lutam no dia a dia para serem mães, pais, esposas, amantes, companheiras, educadoras e ainda ter “a estranha mania de ter fé na vida, com gana e com garra”.


Assuero Gomes

Pediatra, escritor.

assuerogomes@terra.com.br




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