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domingo, 6 de maio de 2012












A serena majestade de Maria



Assim como uma visão sem ser visão, apenas sensação de comunicação, como um vento de brisa suave invadindo o instante da alma em oração, ousei fazer uma pergunta, que na verdade não fui eu quem a fiz, talvez o sopro do Espírito.

Ele quis revelar através daquela que é repleta do Espírito, numa pergunta, que foi se desfolhando em outras, até que o véu deixasse deslumbrar a luz.

A pergunta, súbita e aparentemente sem sentido, foi assim revelada: ‘Senhora, se durante a infância do Menino, a senhora antevendo o sofrimento que haveria de vir, pedisse ao Pai, para que fosse mudado o desenvolver da história, Ele lhe teria atendido?’ Então como um sorriso quase imperceptível, suave como o sopro matutino, Ela respondeu apenas ‘Sim’. Mas a ousadia do vento que sopra onde quer e quando quer instigou para mais uma pergunta: ‘A Senhora pressentia o que o Menino haveria de passar?’ Mais uma vez, com uma serena majestade Ela se dignou a olhar para baixo e meigamente, como só podem ser as mães amorosas, respondeu ‘Sim’.

Não ousando mais nada perguntar e invadido por uma sensação de imensa paz, aquietei-me contemplativo; mas em seguida, brotou dentro do meu coração uma última pergunta, vinda de não sei onde e feita à revelia da razão e da emoção: ‘A Senhora, em algum momento, teve vontade de pedir ao Pai?’ Ah, serena majestade de olhar e sorrir! Tão pequeno me senti naquele momento e ao mesmo tempo tão compreendido que a derradeira resposta me fez perceber: ‘Não’.

Nesse momento a contemplação levou-me a um estranho lugar onde eu nunca havia imaginado poder estar, o coração do discípulo amado aos pés da cruz e compreendi então, assim de repente, em plenitude as palavras do Senhor: ‘Mãe, eis aí o teu filho. Filho, eis aí a tua Mãe’.

O que poderia eu mais pensar ou perguntar? Senão apenas sentir uma imersão numa paz sublime, como se num oceano de luz estivesse a flutuar, como numa água-viva sideral, cósmica, entre jardins de estrelas.

O que poderia mais desejar, senão apenas permanecer?  E permanecendo armar como que uma tenda, assim pertinho do Mistério, quase o tocando, doce mistério de onde emana toda forma de vida. E permanecendo não mais sofrer, nem mais sonhar, apenas sentir a luz em plenitude.

A Senhora, no entanto, com seu sorriso terno, parecia perceber todo o sentimento que emanava de mim, pois neste estado só se é sentimento, não mais matéria nem ilusão, não mais inteligência nem raciocínio, apenas sentimento, e fazia-me retornar para a planície. Sob seus pés o sacrário aberto, como um generoso útero que não retém o filho, mas que o dá à luz, sem dores de parto, sem angústia, sem lágrimas. Generoso e sagrado útero que partilha seu fruto como um pão, com a humanidade faminta.

O último peregrino da fila, compungido, recebeu a partícula em atitude silenciosa e voltou ao seu lugar na assembléia. Com a âmbula quase vazia, mas repleta de significado, dirigi-me ao sacrário, aos pés da Senhora, e ali a depositei. Antes, porém, por alguns instantes imperceptíveis, ainda olhei para a serena face. Pude ouvir em seguida, do sacerdote ‘Ide em paz e o senhor vos acompanhe’.

O que entender de tudo isso?



Assuero Gomes


Médico e Escritor 




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