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quinta-feira, 5 de julho de 2012

Entre o parto normal e a cesariana





Entre o parto normal e a cesariana



“Uma inverdade dita e repetida muitas vezes acaba se tornando realidade”, alguém, de maldita memória, já disse isso e infelizmente estava certo. Sobre o parto muito se tem afirmado e se tem usado de meias verdades, se tem distorcido estatísticas e se tem emitido assertivas baseadas nestes dados, de tal maneira, que está disseminado um conceito, que toma ares de verdade absoluta e unanimidade radical.

Gostaria de tecer alguns comentários sobre o tema, para tentar jogar alguma luz na questão. Tenho uma boa experiência em assistência ao recém nascido na sala de parto, nestes trinta anos de profissão e já passando dos 9.000 nascimentos. Concordo plenamente que um parto normal (vaginal) quando evolui bem e com assistência contínua do obstetra, é o ideal, isso é inquestionável. Porém, e aqui um ‘porém’ incisivo, a indicação da cesariana em tempo hábil, antes que se manifeste algum sinal de sofrimento fetal, é imprescindível, e representará a diferença vital, entre toda uma vida saudável ou uma condenação perpétua ao sofrimento de uma sequela neurológica.

A lenda urbana que se criou é a seguinte: ‘no Brasil a quantidade de cesáreas é maior que em qualquer outro lugar do planeta’, mentira! A estatística é manipulada desta maneira: entre as pessoas que têm acesso à assistência por plano de saúde, neste universo, realmente a porcentagem de cesarianas é elevada, no entanto se a amostragem incluir todas as mulheres grávidas do Brasil (as que têm plano de saúde e as atendidas pelo SUS e as que nem ao SUS têm acesso) então a proporção é semelhante a de países como os USA, Canadá e  Comunidade Européia. Outra afirmativa da lenda: ‘as complicações para os recém-nascidos de cesariana são maiores e mais graves que os nascidos de parto vaginal’, mentira! Divulga-se estatística das complicações das cesarianas para os recém nascidos (RN), que na sua maioria são transitórias e não deixam maiores sequelas e omitem-se as complicações graves de partos vaginais mal conduzidos, que trarão consequências para toda a vida, especialmente as temíveis paralisias cerebrais decorrentes da falta de oxigenação no cérebro dos RN. Não se divulga também as complicações nas parturientes de partos vaginais feitos por curiosas nesse imenso interior do Brasil onde falta tudo.

Longe de mim fazer apologia à cesariana, porém posso testemunhar, que foram muito maiores as complicações, do ponto de vista do RN, em partos vaginais, mesmo em maternidades bem equipadas, que em cesarianas.

O que há por detrás de tudo isso? O governo nas três esferas: federal, estadual e municipal, tem obrigação constitucional de prover assistência médica de qualidade para seus cidadãos, para isso arrecada nossos olhos e nosso sangue em impostos. Porém, e aqui um ‘porém’ mais incisivo ainda, ele não cumpre sua obrigação. Assistência obstétrica de qualidade requer recursos, embora dentro da medicina, esta especialidade não seja das mais onerosas. Por outro lado, os planos de saúde no seu afã de lucrar, tentam baratear o custo da assistência. Ora, um parto normal é muito mais barato que uma intervenção cirúrgica. Governo e planos de saúde juntos com poder de mídia. Para completar o caldo da lenda, estimula-se o parto através de parteiras, de doulas, em casa, em casas de parto, chegando aos médicos os casos já complicados, quando é fatalmente tarde uma intervenção, engrossando as estatísticas das “complicações”.

É sempre bom lembrar que a assistência ao parto é um ato médico e compete a ele, em última instância, as decisões relativas a esse evento, pois a responsabilidade final recairá inevitavelmente sobre o médico.

Assuero Gomes


Médico e escritor

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