Sobre a
Felicidade, ou simplesmente felicidade.
Tentar conceituar um sentimento é como pôr uma âncora num
beija-flor e esperar que ele continue flutuando no ar. Muitas definições de
“felicidade” já foram tentadas, escritas ou faladas, refletidas, ensinadas.
Para algumas religiões, a felicidade seria a ausência
absoluta de desejo. Somente quando houvéssemos abstraído todo desejo e
percebido a realidade na qual estamos inseridos como algo irreal ou
transitório, assim estaríamos em felicidade plena. Superar as necessidades
também seria um caminho, mortificando o corpo para libertar a alma. Só a alma,
como algo perfeito, poderia realmente habitar o reino da felicidade.
Há correntes de pensamento que acreditam que nossa pulsão ao
desejo, em todos os níveis, é uma busca constante da felicidade, que só é
alcançada momentaneamente enquanto aquele objeto de desejo é possuído, mas logo
em seguida, outro impulso é gerado e nossa busca segue indefinidamente, talvez
numa tentativa de retorno ao estado fetal, onde inconscientemente nos
acharíamos em perfeita harmonia conosco e com o ambiente: a saudade do útero
materno.
Para alguns místicos a nossa inquietude e essa eterna busca
pela felicidade seria um movimento de retorno ao coração de Deus, de onde
teríamos saído.
Na verdade vi algumas pessoas felizes por alguns momentos de
suas vidas. Breves momentos. É frustrante até certo ponto, pois idealizamos uma
felicidade que fosse quase eterna enquanto durasse nossa permanência aqui na
Terra. É monumental o esforço sobre-humano que fazemos para nos sentirmos
felizes, às vezes um objetivo perseguido durante toda a existência e só
alcançado por uns poucos, por algumas horas, talvez minutos.
Vi muitas pessoas ficarem felizes com um prato de comida e
um pedaço de doce, ou um copo d’água, ou uma camisa velha, ou com um afago, um
sorriso ou um aperto de mão, que lhe devolveu a humanidade por alguns
instantes. Vi pessoas abnegadas, dedicadas ao extremo, na ajuda aos outros, e
pareciam menos tristes, mais aliviadas em suas existências. Raramente, mas vi
alguém esboçar uma face de felicidade no instante da própria morte, aliviada do
sofrimento da enfermidade.
Nunca, no entanto, vi alguém totalmente feliz o tempo todo,
mesmo que esse tempo todo fosse pouco mais de doze horas, que é a metade de um
dia. Temo por pessoas de riso fácil, muito expansivas e pouco reflexivas,
efusivas, todo tempo, por detrás ou dentro de si trazem oculta, talvez, uma
grande melancolia.
Talvez a procura da felicidade total e perene seja um grande
fardo, pesado demais para os humanos, que trazem consigo as máscaras gregas da
comédia e da tragédia; como o palco é estreito, as luzes são fracas, a peça tem
poucos atos, o espetáculo é curto e a plateia raramente aplaude, talvez e
talvez, devêssemos nos contentar com os nossos efêmeros e radiantes momentos de
felicidade, antes que as cortinas se fechem.
Assuero Gomes
Médico e escritor
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