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sexta-feira, 10 de agosto de 2012

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Assuero



Pai



Quando ao avançar do tempo, avistamos ao longe nosso ponto de chegada, que é enfim a última partida, e ao cair da tarde, sob um vento sereno, como uma sinfonia de Schubert ainda a esperar sua conclusão, olhamos um pouco para trás e vemos, no nascer do dia das nossas vidas, uma figura que se avoluma, trazida das entranhas das lembranças guardadas, o pai.

Devesse eu, talvez, enaltecer os grandes pais, aqueles que brilharam na vida profissional, nas artes, nas diversas atividades humanas. Aqueles que superaram as dificuldades de uma vida dura e se tornaram grandes empreendedores, galgando sucesso inimaginável. Ou ainda aqueles que se tornaram heróis de uma comunidade ou de uma cidade ou ainda de uma nação, por seu mérito, sua coragem e pela oportunidade vertida pelo acaso na sua vida.

Fosse essa oportunidade, a ideal para descrever os momentos felizes que pais e filhos têm juntos, que são comuns a todos os pais e a todos os filhos, ou mesmo tecer um poema em fios de saudade pelo pai ausente, ou ainda descrever com lágrimas nos olhos a felicidade de quem tem a força e a inspiração de ser um pai adotivo.

Poderia pedir emprestado à teologia sua Palavra e construir um tratado sobre a figura de Deus, que é pai e que cuida amorosamente de suas criaturas desde o primeiro dia do tempo.

Mas hoje, gostaria de lembrar do pai, simplesmente pai. Daquele que em nada se sobressaiu na vida. Aquele que trabalha monotonamente todos os dias, sem grandes perspectivas de mudança de vida. Que enfrenta o transporte precário, as filas para atendimento de saúde, que conta os dias para o final do mês para receber o minguado salário, já todo comprometido, que escuta as queixas da mulher sobre a situação de casa, das brigas dos filhos, do gás que acabou, das contas e mais contas. Daquele que tem até vontade de desistir, mas olha para os filhos e se levanta pela manhã e enfrenta a mesma vida, medíocre segundo os olhos da sociedade. E assim vai dedicando seus momentos, seus pedaços de vida, por mais humilde, enfadonha e monótona que seja, aos seus filhos. E vai sonhar em vê-los formados, em vê-los casados, em vê-los com filhos. Desse sonho, esse pai retira forças, de onde nem mesmo um poeta, ou um profeta ou um filósofo tiraria. Realizar-se a partir da realização dos outros. Dedicar-se em plenitude aos outros.

Talvez, ao fim do dia de sua vida, esteja esquecido nalgum quarto de um hospital público, ou nalgum abrigo geriátrico. Talvez seus filhos tenham tido alguma lembrança terna, ou nem mesmo isso. Talvez outro final mais feliz permitisse a pena do escritor, burlando a realidade, e o achasse realizado ao lado da família.

Passaram para a vida de adultos, os filhos. O pai ao envelhecer retorna ao mundo das crianças, quase um círculo perfeito.

Quando se tornar para ti apenas lembrança, nem pó, nem desejo nem consistência, apenas lembrança, e olhando com os olhos do coração para essa lembrança e a saudade bater, e o teu derradeiro navio aportar, ele estará acenando do convés e, então, verás alguém que esteve sempre do teu lado, fazendo para ti o ofício de Deus.



Assuero Gomes


assuerogomes@terra.com.br




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