O
Resto de Israel
Para ser o resto de Israel é necessário descer as montanhas, é necessário
segurar a manhã com a mão e molhar o chão com o suor do próprio corpo. Para ser
o resto de Israel é preciso não
temer, não ter mais nada a perder, cultivar solitário a última figueira e dela
esperar um único fruto.
Para ser o resto de Israel não basta simplesmente ser católico, há que ser
cristão e se reconstruir o templo do coração, em carne e misericórdia. Para ser
o resto de Israel, chorar é preciso e
navegar nas lágrimas da última quimera desfeita, é ter certeza que a mão que
afaga jamais apedrejará. É atender o pobre, é cuidar do ferido, é servir a mesa
do indigente, da viúva e do órfão, e sempre que tiver feito tudo ao seu
alcance, sentir-se como um servo inútil.
O resto de Israel é como a última semente, na terra ressequida,
esperando uma gota de chuva. É como a arca do ancião que navegou em águas
tenebrosas e viu a criação ser quase toda destruída e mesmo assim jamais perder
a esperança, pois ela mesma é a esperança. Ser o resto de Israel é brigar com Deus para subir a escada que dá no
paraíso e não conseguindo vencer a Deus, sair ferido na coxa para sempre, e
mesmo assim não desistir.
O resto de Israel trás dentro de si a certeza de Abraão e a liturgia
de Melquisedec. Carrega consigo a ternura de Maria e o medo dos discípulos.
Tudo espera, tudo crê, tudo conforta. É amável, humilde e puro. É terra e é
água. Não se assombra com dificuldades, não teme o futuro, não se desola mais.
É a última semente da Terra. Nela Deus vai colocar seu sopro.
Para ser o resto de Israel é preciso amar...
Amar sem medidas e sem pudores,
sem limites. É suportar amar sem ser amado e mesmo assim sempre procurar o
melhor para sua amada, a pequena nação, às vezes de uma só pessoa.
Para ser o resto de Israel é necessário sobreviver. Com cruz, com espada, com
o ferro do suplício, com os espinhos e com a brasa. Um só caminho, uma só
direção e o infinito como terra prometida e sempre que olhar, vendo o deserto,
acreditar que logo mais, após a primeira duna, surgirá o leite e o mel
derramado de montanhas e vales verdes.
Para ser o resto de Israel é, mesmo cego, caminhar procurando a luz e saber
que mesmo sem a ver, ela lhe encontrará com a certeza de um predestinado, pois no
resto de Israel é onde Deus colocou
seu coração. É tateando tocar na chaga da necessidade do pobre e ali ver que
está tocando na chaga do próprio Cristo, porém não adorá-la, mas apressar-se em
cuidá-la.
É ter a certeza num mar de
incertezas que valeu a pena, pois o coração de Deus, está no resto de Israel.
Assuero Gomes
Médico e escritor