O perdulário
Quem está por detrás de um país que esbanja seus recursos
naturais, que desperdiça milhões de quilos de grãos e milhares de toneladas de
hortifrutos de sua produção agrícola, jogadas às estradas do descaso, e que no
mesmo movimento permite que suas crianças comam lixo disputando com cães e
urubus as carnes podres?
Qual país que desmata continentes de florestas e chora
porque perdeu uma partida de futebol? Quem assanha a sanha arrecadatória de
tributos, que escorre nos ralos de imensos buracos negros da corrupção?
Elejamos um personagem símbolo dentre tantos, verdes amarelos. Um daqueles
nascidos ‘na barriga da miséria’, que com muita sorte e esforço consegue
escapar de um destino severino. Envereda-se nos sinuosos caminhos da política,
desde a escola, traz um discurso comprometido, traja uma roupa coerente, calça
sandálias de caminhar. Com os ideais e a ideologia, carrega consigo um imenso,
profundo e amargo sentimento de inferioridade. Segue sua trilha, e um entre
mil, bafejado pela sorte, consegue algum cargo em alguma organização. Articula,
cede, manipula, é manipulado, entra na dança do poder, é seduzido.
Agora o discurso precisa ser moldado à nova situação. As
sandálias cedem ao cromo alemão. Os jeans surrados ao Armani. A mulher,
companheira e camarada de tantas batalhas insones de noites de estômagos
vazios, deve ser trocada por uma mais nova, bem mais nova, ‘apresentável’.
Festas de representação com bebidas importadas, mordomos, imprensa, spots,
flashes. Automóvel importado, motorista, segurança. O limite para o gasto, com
o numerário alheio da arrecadação das taxas, impostos, contribuições, é o
delírio de se olhar no espelho e se ver um poeta como Nero. O ego tão inflado,
mas tão inflado, que quase sufoca o peso da inferioridade, que está dentro de
si, e esta vai se exacerbando mais e mais, à medida em que ele tenta camuflá-la
na ostentação. E assim o nosso patrício vai introjetando o poder (que não tem)
dentro si de tal forma que é escravizado por ele. Vai perdendo a noção do
custo, do valor e do preço das coisas. Sua alma acaba valendo menos que o pó
sob o sapato que usa e sua palavra menos que a água suja que escorre no esgoto.
Assim o nosso ‘herói’ vai atravessando a vida achando
natural que tenha quarenta empregados sob suas ordens, que ganhe mil vezes mais
que um assalariado, que se mate de morte violenta no seu país, mais que a
população de duas cidades de porte médio, por ano, que se aumente a carga
tributária e não se tenha escola digna, nem saúde pública, nem transporte, nem
segurança nenhuma, para os filhos da pátria amada, mãe nem tão gentil.
Nem mesmo acha estranho que o Primeiro Ministro da
Inglaterra lave seus próprio pratos e sua esposa passe as roupas de casa, e
apronte os filhos para a escola, pública.
Assuero Gomes
Médico e escritor
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