DOM
HELDER PESSOA CAMARA, SEMPRE
Gostaria de contar alguns fatos pouco
divulgados, porém verídicos, daqueles dias. Claudete e eu – morávamos naquele
ano em Recife - fomos participantes,
portanto, testemunhos oculares, da cerimônia de despedida do Dom.
Na tarde-noite daquele sábado, dia 28
de agosto de 1999, uma grande multidão acompanhava o Dom, cujo corpo era coberto
de flores de todas as cores e todos os perfumes. O caminho era longo, desde a
Igreja das Fronteiras, morada do Dom, passando pelas avenidas do Recife,
subindo os morros de Olinda, até chagar em frente à catedral, onde se
concentrava, desde cedo, grande multidão que rezava sua fé, chorava sua dor,
mas cantava também sua esperança, divina força dos pobres. Havia sido preparada
uma área reservada e cercada na qual, ao redor do corpo do Dom, encontravam-se bispos,
padres e alguns convidados. O povo ao redor, sem poder ver o rosto descansado
do seu pastor, participava intensamente daquela celebração da vida e
ressurreição. Em dado momento, um jovem se soltou no meio do povo, desenrolou e
mostrou a bandeira do Movimento dos Sem
Terra, e colocou-a sobre o Dom. Enquanto uns ficavam sem saber como reagir diante
de tal atitude inusitada, outros, isto é, quase todos, aprovavam este gesto,
que expressava uma simbologia que, embora não fizesse parte do rito litúrgico (talvez
exatamente por causa disso), proporcionava profundo sentido àquela celebração.
Quase treze anos depois, em 17 de
agosto de 2012, na Sé de Olinda, por motivos diversos, foi realizada a exumação
dos restos mortais de Dom Helder. Ouçam o que aconteceu naquela manhã fria e
chuvosa de agosto. Assuero Gomes, médico pediatra e escritor, amigo e fiel seguidor
do Dom, nos apresentou o seguinte relato, acompanhado de bela reflexão:
“Depois de praticamente treze anos sepultado no chão dessa igreja, seus
restos mortais repousarão ao lado dos de D. Lamartine, bispo irmão que o
auxiliou no pastoreio da Arquidiocese de Olinda e Recife e dos de Padre
Henrique, mártir da ditadura que se instalou no nosso país a partir de 1964.
Envolta em seu caixão ainda restava a
bandeira do Movimento dos Sem Terra, intacta, na época, um símbolo da luta
de camponeses em busca de um pedaço de terra para plantar e sobreviver com suas
famílias. Lembro-me do dia do enterro.
Confesso que nutria em meu íntimo a esperança de que o corpo dele
estivesse intacto também, tal qual a bandeira, pois no meu pensamento isso
seria um sinal poderoso para a Igreja, de que o Dom é um santo e como tal, tudo
que ele lutara e escrevera e sinalizara teria que ser aceito oficialmente. Ledo
engano. Mais uma vez o profeta surpreende! Mais uma vez ele nos mostra que os
pobres é que são os profetas de Deus.
Lentamente ele nos vai ensinando sua última lição, ou seria a primeira na
vida plena? Não importa, é uma lição importante, um ensinamento para nós e para
nossa Igreja: tudo passa, prestígio, glória, cargos, poder. Tudo é pó e ao pó
tudo retorna. Outro ensinamento: os pobres são os destinatários primeiros da
boa nova do Ressuscitado, pois só Ele é quem saiu do túmulo com vida, e vida
plena.
Pouco a pouco a morte vai mostrando aos olhos humanos o estrago que
causa, mesmo nas pessoas mais especiais e queridas. O som lúgubre, oco, de
saudade, destampa as lajes do chão da Sé. Outra surpresa, o Dom foi sepultado
como os leigos o são, com a cabeça voltada para a porta, e não ao contrário,
como os clérigos. O que o desgaste da morte não mostra é o que os olhos da fé
iluminam, como uma luz vinda do alto a nos perguntar: por que procuram o vivo
dentre os mortos?
A resposta veio-me algumas horas após. Saindo dali, deu-se à luz uma
criança, nos meus braços, saudável, chorando forte a plenos pulmões, inspirando
e expirando o sopro da vida, o pneuma que a tudo anima.
Certamente mais um sinal do Dom, ensinando que a vida é eterna.”
Que o espírito de Dom Helder possa
sobreviver na prática da vida de cada um(a) de nós.
Fortaleza, 06-02-2013,
Geraldo Frencken
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