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quinta-feira, 7 de março de 2013

Mulher, dos passos acorrentados à liberdade.


 
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Mulher, dos passos acorrentados à liberdade.

 

Passos lentos e suaves, mimosos, carregados por calçados sofisticados. Dos pés atrofiados das orientais, dos saltos imensos das odaliscas, da nudez dos pés das escravas, dos saltos pungentes das egípcias de Faraó, das gregas Helenas esperando seus guerreiros regressarem das tempestades do mar Egeu, de Catarina de Médicis e das cortesãs de França, sempre impedidas de correr, de fugir, sempre impelidas a servir, de pés aprisionados.

Duro caminhar de caminhos nem sempre flores, nem sempre tapete vermelho. Muitas vezes caminhos de pedregulhos, de espinhos, de brasa e fogo, salpicados de sol, algumas vezes caminhos de frio e gelo, sempre doloridos.

Mulher dos passos acorrentados à liberdade, quanto caminho, quanto caminho! Caminho do sempre sim, entre os dentes trincados do não; caminhos escuros e tenebrosos da fuga com uma única luz acesa dentro de si, caminho de heroínas anônimas, caminho carente de poesia e som, apenas silêncio e solidão, quantos degraus a subir, quantos quilômetros a percorrer, quantas etapas da história a vencer?

Concede-me uma dança? Vamos dançar a dança do ventre livre, o tango do cego com teu perfume de mulher, antes que a meia-noite venha, antes que o dia amanheça, antes que o impossível tome conta de nós e já seja tarde e não nos vejamos jamais... O tempo da liberdade da mulher é tão curto, tão curto, como a alegria efêmera de uma brisa de verão.

Dança tua dança, descalça, desamarra teu pés, desnuda tua liberdade, quebra teu sapatinho de cristal, baila como uma manhã toda no primeiro dia da Criação, esquece por um instante, no tempo descompassado dessa música de liberdade, esquece de teus compromissos, de tuas amarras, tiaras, cintas, ligas, espartilhos, brincos, piercings, tatuagens, cicatrizes, lágrimas e feridas, enquanto a música toca a melodia da juventude, a melodia de não ter que.

Dança tua dança solta, como uma guerrilheira de último fuzil antes do tiro derradeiro, ou como uma náufraga que queimou seu último navio ou pulou da prancha no meio do mar da madrugada.

Mulher de andar de botinas ou sapatilhas, de romper arames e grades, de furtar horas de relógios de corações alheios, de derramar tempos em caldeirões de estrelas e barro, de cozinhar futuro para o futuro dos filhos dos outros, mulher insana na busca da liberdade contorcida em partos imaturos, que carrega a história no ventre e no peito.

Hoje e sempre é dia de caminhar, pois a liberdade ainda tarda, andarilha em quatro paredes, em balcões e cabarés, em conventos e creches, em prisões e calabouços, em pequenas revoluções furtivas. Mas hoje dança, dança, porque o dia é teu, a manhã é tua, desata as correias de tuas sandálias, pois a música não é para sempre...

 

Assuero Gomes


Médico e escritor

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