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quarta-feira, 24 de julho de 2013

Papa Francisco, um sopro no Vaticano.


 
 
 
 
 

Um sopro no Vaticano


 

O vento sopra nas pedras centenárias do Vaticano e procura frestas nas suas muralhas, passa sibilando por entre as colunas, faz evoluções silenciosas nos salões dourados, nos museus, nas salas de reuniões. As personagens da Capela Sistina tomam vida e saltam das paredes, antigos cardeais e inquisidores ficam apreensivos nos seus fantasmas perambulantes. A casca grossa de verniz e dourado ameaça descascar, romper. O silêncio obsequioso de séculos e séculos está sendo violado, assim como seus segredos de alcova e de caixa. Caixa escura como a de Pandora.

O vento prepara a segunda visita de Francisco ao Vaticano. Na primeira ele foi pedir a bênção a Inocêncio III para sua maneira de viver o Evangelho. Foi ridicularizado pela coorte, por causa de suas vestes maltrapilhas e seus pés sujos de caminhar entre os pobres, com os pobres, tornado-se pobre, em carne e espírito.

Francisco agora volta. O vento está indócil, pois a última vez que foi ao Vaticano, há sessenta anos, conseguiu entrar por algumas janelas entreabertas, fez algumas desarrumações na estrutura, mas foi abafado após a esperança inicial.

O vento sopra onde e quando quer, e isso é um problema para a organização. Não há como contê-lo nem aprisioná-lo. E ele está indócil. Está com gana de derrubar, demolir, como soprou para os profetas desde Abraão, para depois se reconstruir, brotar o novo sobre o entulho, sobre o estrume.

Francisco agora vem entrando pela porta da frente. O vento sopra à sua frente. Oitocentos anos depois Francisco põe os pés no Vaticano. Carrega consigo não apenas a pobreza despojada de seus companheiros da Úmbria, mas a esperança dolorosa de milhões de pobres da América Latina que foram massacrados pelos seus ditadores e depois iludidos pelos seus líderes, vem consigo a fome em grandes plantações de África, opressões e perseguições do Oriente.

O vento não passeia, ele sopra e sopra forte. Quer ventania para que venha a chuva, quer a chuva para regar os campos e as mentes, quer fazer brotar no coração dos homens e das mulheres a esperança do novo. Ele espalha palavras nos ouvidos, e diz ‘ouve!’, ‘eis que faço nova todas as coisas’, ‘as portas do inferno jamais prevalecerão sobre a minha Igreja’! 

O sonho de Inocêncio III, o mendigo segurando a Igreja que estava a ruir, e o sonho de Francisco em 1205 no qual ele é chamado pelo nome para ir a um rico palácio onde vivia uma bela donzela, um lugar cheio de ouro, armas e apetrechos de guerras. Perguntando de quem era tudo aquilo a voz disse: é seu.

Misteriosamente esses sonhos se fundem em realidade, oitocentos anos após.

Rezemos para que a Igreja seja reerguida por um papa pobre, as armas douradas derretidas e transformadas em arados e sementes e devolvidas aos pobres e a bela dama envelhecida de dois mil anos de espera, seja resgatada por Francisco, tornando-se eternamente nova e bela e virtuosa, para seu noivo, Jesus.

 

Assuero Gomes

Cristão católico leigo da arquidiocese de Olinda e Recife

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Os médicos não usam black-tie


 
 
 
 
Os médicos não usam black-tie

 

Desde há algum tempo, a classe médica vem sofrendo assédio moral ou um tipo de bullyng por parte do governo federal. No início de maneira velada e agora acintosamente, despudorada. É uma campanha fascista para quebrar o poder de formação de opinião da classe.

Desqualificar para enfraquecer a autoestima, dividir para dominar, esses filmes são antigos.

Uma breve retrospectiva nos mostra etapas dessa campanha sórdida: parteiras em lugar de médicos, enfermeiras e atendentes clinicando, solicitando exames prescrevendo medicamentos, optometristas receitando problemas de visão, e assim por diante. Pregam: “Médicos são os culpados pela situação da saúde no país, pois são egoístas e não querem atender os pobres nas cidades do interior. Médicos que se formaram em faculdades públicas, de graça, deveriam retribuir e trabalhar nos rincões. Nos noticiários até troca de medicamentos por parte de atendentes de enfermagem são taxados de erro médico. Novelas, notícias, artigos, entrevistas depoimentos, peças publicitárias, filmes, sub-repticiamente induzem o público a demonizar o médico, o vilão da desgraça nacional. Médicos são ricos. Só pensam em dinheiro.  Têm carro importado, vivem passeando na Europa, fazendo cursos no Canadá e nos USA, iates, luxo. Médicos faltam ao serviço público para ganhar dinheiro no privado”.

O que há por detrás disso tudo?

Há um planejamento de perpetuação no poder de um núcleo do PT que assumiu o comando da nação de maneira democrática, com as bandeiras da ética e da justiça social.

A retaliação contra a classe médica deve ser vista no contexto geral desse programa de poder. Foi tentado alterar a constituição por plebiscito, retirar do ministério público o poder de investigação, criar uma agência reguladora da imprensa, nos moldes das outras agências reguladoras, as quais têm um poder enorme (fiscaliza, julga e pune), limitar o poder do STF de julgar, e assim por diante.

No desespero tramaram trazer 6000 médicos cubanos com agentes doutrinadores, para sustentar e garantir os votos da periferia e dos grotões de miséria, oficializando a prática de trabalho semiescravo no nosso país (ironia partir do Partido dos Trabalhadores), a repercussão foi tão grande que aparentemente retrocederam; a nação brasileira um dia vai reconhecer o mal que conseguimos evitar. Essa a meu ver foi a maior vitória dos médicos.

O desespero ao ouvir o grito que estava entalado na garganta, trovejando nas ruas, fez com que o desatino desvairado tomasse conta do Planalto Central. O “vilão” tem que pagar caro. Aumentem para dois anos o longo curso que já fazem, obriguem a atender mesmo como estudantes o povo (serviço civil obrigatório), vetem a lei do Ato Médico e liberem outros profissionais e estudantes para atender também, joguem mais ainda a opinião pública contra esses médicos.

Diria que se não fosse trágico, pois nada é mais valioso para um país que a vida de seus cidadãos, estaríamos vivendo uma ópera bufa numa apresentação circense montada num hospício.

O que eles esquecem é que médicos não usam Black-tie. Médicos não viajam em jatos da FAB. Médicos não têm mensalão. Médicos não têm verba de representação, nem cartões oficiais, nem passaportes diplomáticos falsos, médicos não desviam dinheiro público nem fazem concordatas soturnas nem recebem financiamentos de campanhas.

Médicos apenas trabalham e estudam e trabalham, e é quem está junto de vocês nas piores horas de suas vidas ou nas mais alegres, talvez.

 

Assuero Gomes

Médico e escritor


 

terça-feira, 16 de julho de 2013

O último ato médico


O Ato Médico
Escrevi esse artigo em 2005.
Infelizmente está mais atual do que nunca.
Já naquela época os médicos pediam que a nossa profissão fosse regulamentada, como o são todas as outras.
O projeto que "tramitava" guardado na gaveta dos nobres deputados, finalmente foi votado, após 12 anos.
A presidenta Dilma o aleijou com vetos eleitoreiros e o deformou.
Triste país esse nosso que brinca com a saúde de seu povo e tripudia sobre uma classe inteira de 400.000 profissionais médicos e 100.000 estudantes de medicina. 
 
 
 
O último ato médico

 

O médico escuta atentamente seu paciente. Examina-o com calma. Prescreve um medicamento. Depois lhe pergunta pela família, pela vida, aconselha-o. O paciente sai e vai adquirir o remédio.

Saindo dali, o paciente vai à farmácia, o balconista substitui o prescrito por um medicamento genérico. Chegando em casa e mostrando à sua esposa, ela liga imediatamente para a prima, que tem uma academia de ginástica. A prima desaconselha o uso do medicamento. Seria melhor fazer uns exames antes, “todos os exames de sangue além de uma ressonância magnética, pois uma conhecida dela tomou um remédio antes de fazer exames e o paciente se deu mal”. A esposa não deixa o marido tomar o remédio.

Sua vizinha é enfermeira, melhor consultá-la antes. A vizinha diz que aquele remédio é muito forte e prescreve outro. A esposa vai à farmácia trocar. No caminho encontra a psicóloga da filha e aproveita para mostrar o que sobrou da receita do marido. A psicóloga é contra todo tipo de medicamento e aconselha a mulher a levar o marido para fazer psicoterapia. A mulher, já em dúvida, e com a prescrição da enfermeira na mão, resolve não comprar mais medicamento nenhum. Vai consultar novamente a prima, da academia de ginástica. Dessa vez vai pessoalmente. Lá encontra o professor de educação física, então ela expõe o caso do marido. Ele aconselha a fazer os exames completos, além de prescrever outro medicamento e exercícios físicos, incluindo uma avaliação com a nutricionista da academia, que estaria ali depois do almoço.

O médico, enquanto espera que entre o próximo paciente, lê rapidamente um trecho de um dramaturgo alemão, que por acaso está nas suas mãos:... “no começo veio a polícia e levou meus vizinhos da esquerda, com toda família, por que eram comunistas, eu não disse nada, pois não tinha nada a ver com aquilo, eu não sou comunista...na outra semana vieram novamente e levaram os vizinhos da direita, alegando que eram judeus. Eu não disse nada, pois eu não sou judeu e não tenho nada a ver com isso...mais dois dias e levaram o pessoal da última casa da rua, alegando que eram contra o governo, eu também não disse nada, pois não gosto de política...agora estão batendo na minha porta..”

A nutricionista chegou. Ela prescreveu uma dieta para o paciente do médico. Desaconselhou o medicamento receitado pelo professor de educação física e sugeriu que ele fosse procurar uma fonoaudióloga, pois poderia haver algum transtorno de audição ou do labirinto. A esposa, a estas alturas, já duvidava de tudo. Num momento instantâneo de `inspiração´, resolveu consultar um advogado, pois seu filho trabalhava no escritório de um, que era muito bom em questões de erro médico, já havia ganhado muitas causas e muito dinheiro. Dali mesmo pegou um táxi, após ter ligado para o filho, e chegando, subiu de elevador para o consultório do advogado, um belo e luxuoso consultório.

Foi muito bem atendida. Mostrou a receita do médico. O advogado examinou o documento, fez uma anamnese, perguntou pelos exames complementares, anotou quantos minutos o médico havia gasto com a consulta e outros detalhes mais, os quais a esposa não sabia, pois não estivera presente. O ilustre causídico diagnosticou e prognosticou: “minha senhora, como a relação  médico-paciente é uma relação de prestação de serviço, está subordinada à lei do consumidor. Embora não haja garantia de cura nesta transação, nós podemos processá-lo pelo fato de não ter requisitado todos os exames possíveis e imagináveis para prever e prevenir lesões e seqüelas, além de que ele deveria informar, por escrito, ao seu marido dos efeitos colaterais do medicamento e também ter feito o paciente assinar um documento com a ciência e anuência do tratamento proposto.

Naquele final de dia, o médico estava cansado. Havia atendido muita gente. Curado alguns, minorado o sofrimento da maioria e consolado a todos. Estava cansado. Fez então o último ato médico: levantou-se e antes de sair apagou a luz do consultório.

 

Assuero Gomes

Pediatra, escritor

sábado, 13 de julho de 2013

MELANCHOLIA



Filmes que você deve assistir antes de morrer: MELANCHOLIA

 


                                                                                                                  imagem do google
 
 
O diretor nos apresenta a visão dualista do mundo na presença da vida de duas irmãs. Uma racional, vida regular, com família constituída, racional e a outra totalmente absorta em suas reflexões. Von Trier desconstrói o mundo de relacionamentos e convenções sociais, e até mesmo o próprio planeta que entra em choque com seu ‘outro’.

Os primeiros quinze minutos do filme já pagariam o filme, pois a plasticidade e a beleza das imagens e da música (nona de Beethoven), são esplendorosas.