Um sopro no Vaticano
O vento sopra nas pedras centenárias do Vaticano e procura
frestas nas suas muralhas, passa sibilando por entre as colunas, faz evoluções
silenciosas nos salões dourados, nos museus, nas salas de reuniões. As
personagens da Capela Sistina tomam vida e saltam das paredes, antigos cardeais
e inquisidores ficam apreensivos nos seus fantasmas perambulantes. A casca
grossa de verniz e dourado ameaça descascar, romper. O silêncio obsequioso de
séculos e séculos está sendo violado, assim como seus segredos de alcova e de
caixa. Caixa escura como a de Pandora.
O vento prepara a segunda visita de Francisco ao Vaticano.
Na primeira ele foi pedir a bênção a Inocêncio III para sua maneira de viver o
Evangelho. Foi ridicularizado pela coorte, por causa de suas vestes
maltrapilhas e seus pés sujos de caminhar entre os pobres, com os pobres,
tornado-se pobre, em carne e espírito.
Francisco agora volta. O vento está indócil, pois a última
vez que foi ao Vaticano, há sessenta anos, conseguiu entrar por algumas janelas
entreabertas, fez algumas desarrumações na estrutura, mas foi abafado após a
esperança inicial.
O vento sopra onde e quando quer, e isso é um problema para
a organização. Não há como contê-lo nem aprisioná-lo. E ele está indócil. Está
com gana de derrubar, demolir, como soprou para os profetas desde Abraão, para
depois se reconstruir, brotar o novo sobre o entulho, sobre o estrume.
Francisco agora vem entrando pela porta da frente. O vento
sopra à sua frente. Oitocentos anos depois Francisco põe os pés no Vaticano.
Carrega consigo não apenas a pobreza despojada de seus companheiros da Úmbria,
mas a esperança dolorosa de milhões de pobres da América Latina que foram
massacrados pelos seus ditadores e depois iludidos pelos seus líderes, vem
consigo a fome em grandes plantações de África, opressões e perseguições do Oriente.
O vento não passeia, ele sopra e sopra forte. Quer ventania
para que venha a chuva, quer a chuva para regar os campos e as mentes, quer
fazer brotar no coração dos homens e das mulheres a esperança do novo. Ele espalha
palavras nos ouvidos, e diz ‘ouve!’, ‘eis que faço nova todas as coisas’, ‘as
portas do inferno jamais prevalecerão sobre a minha Igreja’!
O sonho de Inocêncio III, o mendigo segurando a Igreja que
estava a ruir, e o sonho de Francisco em 1205 no qual ele é chamado pelo nome
para ir a um rico palácio onde vivia uma bela donzela, um lugar cheio de ouro, armas
e apetrechos de guerras. Perguntando de quem era tudo aquilo a voz disse: é
seu.
Misteriosamente esses sonhos se fundem em realidade,
oitocentos anos após.
Rezemos para que a Igreja seja reerguida por um papa pobre,
as armas douradas derretidas e transformadas em arados e sementes e devolvidas
aos pobres e a bela dama envelhecida de dois mil anos de espera, seja resgatada
por Francisco, tornando-se eternamente nova e bela e virtuosa, para seu noivo,
Jesus.
Assuero Gomes
Cristão católico leigo da arquidiocese de Olinda e Recife