Não adote uma criança.
São tantos motivos que pessoas têm para adotar uma criança.
A realização de uma satisfação pessoal em constituir uma família completa, do
desejo de ser mãe ou pai, de ajudar uma criança abandonada, de satisfazer o
companheiro ou a companheira, de ter alguém para ajudar quando da velhice,
alegrar a casa.
São tantos os detalhes da escolha. A criança tem que ser
recém-nascida, tem que ser branca, ou morena bem clarinha, de preferência de
olhos claros, azuis se possível, saudável, ter cabelos lisos, loiros se possível.
Saber se a mãe era viciada em drogas, era doente, era uma mulher vadia, porque
abandonar o próprio filho...
São tantas as angústias e incertezas. A criança tem bom
instinto? O que será quando crescer? Será que quando ficar grande será gente de
bem? E se ficar muito diferente de nós, o que os amigos vão dizer? E se tornar um
marginal? Vai se revoltar contra a gente quando souber que não é filho
legítimo? E se a mulher engravidar depois? É melhor esconder ou dizer a ele
quando crescer que é adotado?
São tantos os arrependimentos. Era doente, é terrível na
escola, cheio de problemas de relacionamento. Revoltado com os pais adotivos.
Toma droga. Os primos não aceitam. Só se envolve com jovens problemáticos. Só
quer saber de nosso dinheiro. Quer conhecer os pais biológicos, não quer saber
de religião, fez tatuagens, usa piercings,
namora com quem não presta, por causa dele meu marido me deixou e arranjou
outra.
Ufa! Quantos problemas.
Observando ao longo de anos, as famílias que adotaram filhos,
suas alegrias e desventuras, seus anseios, seus problemas reais e virtuais, as
vicissitudes, os arrependimentos, os orgulhos, as realizações, os afetos e os
desafetos, permito-me algumas reflexões.
Quando um casal procura adotar uma criança traz consigo ora
um sentimento de certa frustração por não ter podido biologicamente gerar um
filho, ora traz mais escondido ainda, um questionamento a Deus: por que nós?
Pior ainda, ao procurar uma criança carrega inconsciente a responsabilidade da
escolha, o que não ocorre com um filho biológico, pois não os escolhemos, é
“escolha de Deus”. A exigência consigo mesmo é muito maior. O medo de errar, o
medo de educar, é multiplicado exponencialmente. Aí os sentimentos de
frustração, de culpa, de medo, de ansiedade, tolhem ou abafam a simples alegria
de estar e cuidar de uma criança. Empobrecem demais a riqueza que uma criança
proporciona na vida de cada um, dando sentido à própria Vida.
Pudesse eu aconselhar a esses pais eu diria “não adotem uma
criança, adotem um filho”.
Mergulhem na mística viagem que é ser pai e mãe, procurem um
filho, aí nessa hora vocês enxergarão na criança que procuram,
independentemente de sua aparência ou situação, ou do que há de vir, enxergarão
um filho ou uma filha, então o resto passa a ser secundário. E a Vida passa a
ser o essencial.
Assuero Gomes
Médico e escritor
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