O Deus do Povo e o Povo de Deus
“Quem habitará no recôndito do
Altíssimo?” Pergunta o salmista.
Das entranhas misteriosas de Deus
surge como que uma chuva cósmica de misericórdia que perpassa toda a criação,
desde as galáxias nebulosas, aos abismos marinhos, desde o mais sábio dos seres
até um minúsculo protozoário, todos bebem de sua misericórdia, todos se
alimentam de sua compaixão, pois sem ela não haveria cosmo nem vida, nem um
grão de areia sequer.
Como é que um Deus tão grandioso
assim, infinito na sua doçura, se preocupa com que o pobre vai comer, com que o
pobre vai vestir (Dt 24, 13)? Eis um
grande mistério. Como um Deus assim, movido por compaixão, interveio na
história dos homens e das mulheres, e do seu recôndito ouviu o clamor do seu
povo, que gemia as dores da escravidão na terra do Egito, sob o jugo do faraó?
Um Deus que toma partido. Um Deus
que não é omisso nem alheio ao sofrimento dos pequeninos. Jamais houve em toda
história da humanidade um Deus que se colocasse ao lado dos empobrecidos, dos
escravos, dos excluídos, dos marginalizados. Todos os outros, sem exceção, eram
deuses que estavam a serviço de uma casta sacerdotal e esta ao serviço dos reis
e governantes, eram deuses criados à imagem e semelhança do poder dominante,
para lhes dar sustentação.
Veremos que para libertar o povo
da escravidão do Egito, Deus se serve da mediação humana. É através da ação
mediada por Moisés e Aarão que o confronto com o poder do faraó se dá, então
observamos várias etapas de um embate de forças, com sinais (pragas) onde Deus
claramente se coloca ao lado dos pobres e finalmente parte ao meio, na coluna
dorsal do sistema, o maior poderio daquela época, o império do Nilo. De uma
leva de escravos nasceu uma nação que perdura até nossos dias.
Um Deus político, no sentido puro
da palavra. Cuida do bem estar do povo, suscita profetas que denunciam o abuso
do poder por parte das autoridades, desestabiliza a ordem quando esta se torna
opressora e exploradora (1Sm 16, 1-13),
organiza o povo, protege o indigente, a viúva e o órfão, rejeita oferendas,
cultos e rituais, e diz claramente que aprecia a justiça e a misericórdia.
Radicaliza quando, vendo os
desvios que as sociedades tomaram, envia seu próprio filho para anunciar a boa
novidade aos pobres, dar luz aos cegos, som aos surdos, saciar os famintos,
libertar os cativos das prisões e anunciar que finalmente a sociedade justa (Reino
de Deus) chegou para eles (Lc 4, 18-22).
Jesus faz sua, a opção do Pai.
Anda com pecadores, prostitutas, pessoas desprovidas de bens como terra e
moradia, invade plantação alheia e pega espigas de trigo em dia sagrado, come e
bebe com eles. Escandaliza a religião, o culto e as autoridades constituídas. A
todos tem uma palavra de consolo, uma cura, um sinal efetivo do Reino. Depois
dele a história dos pobres jamais será a mesma.
Não contente com sua loucura de
amor, o mesmo Jesus, vai se dar em um pedaço de pão e num pouco de vinho. É a
radicalização extrema do amor em estado puro. A força matriz e motriz do
universo, de onde tudo emana. A fonte primeira e última de onde tudo sai e
retorna; onde a chuva cósmica de misericórdia é derramada.
Quem habitará o recôndito do
Altíssimo? Pergunta o salmista. Com certeza o pobre, responde Jesus, e quem o
sacia na sua fome e sede, e quem o veste na sua nudez, e quem o visita na sua
prisão.
Assuero Gomes