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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

A eucaristia e o laicato, por Marcelo Barros



Um grupo formado por leigos e leigas está se reunindo mensalmente, na Igreja das Fronteiras em Recife, Brasil, para meditar sobre assuntos ligados à teologia e à prática cristã, assim como eclesiologia, à luz da inspiração de D. Helder. O monge beneditino Marcelo Barros é quem coordena. Publico a seguir o texto que serviu para nossa reflexão passada.






A eucaristia e o laicato

Marcelo Barros

Esse título parece impróprio porque comumente a missa é associada aos padres e o laicato tinha como função apenas “assistir missas nos domingos e festas de guarda”. Entretanto, quando aprofundamos o sentido da eucaristia, descobrimos que todos os cristãos batizados são ou deveriam ser protagonistas importantes e mesmo celebrantes da missa. Toda a comunidade cristã é continuadora da comunidade dos discípulos reunidos na ceia, aos quais, segundo o Evangelho, Jesus disse:
“Tomai e comei, todos vós...” (sem distinção de ninguém).

No século IV, São João Crisóstomo, bispo de Constantinopla, comentava: “Há um caso em que não há distinção entre quem é padre e quem é leigo: é quando se trata de tomar parte nos santos mistérios. Todos somos julgados dignos dos mesmos privilégios. (...) Um mesmo corpo é oferecido a todos. Há um só cálice do qual todos bebem. Nas orações, qualquer pessoa que chega em nossas Igrejas pode ver o povo tomar parte na intercessão. Todos pronunciam a mesma oração (...) Todos formamos um só corpo. Só nos distinguimos como um membro do corpo pode diferenciar-se do outro. (...) É preciso sermos na Igreja como em uma única casa. Ser todos como um só corpo”[1]
De fato, segundo os estudiosos da Liturgia, os cultos cristãos dos primeiros séculos valorizavam imensamente o fato de que toda e qualquer pessoa, principalmente estranha ou estrangeira, era bem recebida na assembleia e dela participava ativamente. “Para os primeiros cristãos, o  acolhimento do estrangeiro tinha uma dimensão teológica. Para eles, Igreja não é simplesmente um Credo, mas uma realidade viva, uma fraternidade aberta”[2]. Na liturgia dominical, os antigos cristãos superaram as divisões de classe do Império Romano. Ali todos eram iguais. A Igreja possibilitou que escravos acedessem a todas as funções ministeriais. Só para citar alguns casos, os papas Pio e Calixto foram escravos e se tornaram bispos de Roma. Um documento do século IV, a Didascália vê o lava-pés como o sacramento da diaconia e do diaconato na Igreja. (Didasc IX, 26).

Nomes e dimensões que a eucaristia tomou no decorrer da história:

1 – Ceia do Senhor.
2 – Partilha ou fração do pão.
3 – Eucaristia – ação de graças.
4 – Missa
5 – Sacrifício do altar.
6 – Presença real.
7 – Sacramento da unidade e da comunhão.
8 – Profecia de um mundo novo.

Palavras de Santo Agostinho no século IV:
“Você quer compreender o que é o Corpo de Cristo? Escuta o apóstolo dizer aos fiéis: “Vocês são o corpo de Cristo e seus membros”. Se, portanto, são o Corpo do Cristo e seus membros, é o próprio símbolo de vocês que repousa sobre a mesa. Quando vocês recebem o pão na comunhão, devem responder “Amém” ao que vocês próprios são. Vocês é que são o corpo de Cristo. Responder Amém quer dizer: Assim seja. Esta resposta marca a adesão de vocês. Seja um membro do corpo do Cristo para que o seu amém seja verdadeiro. (...) O Apóstolo que nos declara: “Mesmo numerosos, somos um só corpo”. O pão não é formado de um só grão, mas de muitos. (...) Para dar ao pão uma aparência sensível, misturou-se na água grãos numerosos que formaram uma mesma massa, símbolo dos primeiros cristãos: “Eles não tinham senão um só coração e uma só alma para Deus”. O mesmo vale para o vinho.
Os grãos caem do cacho numerosos, mas se fundem em um só e mesmo licor. Tal é o modelo que nos deu Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele quis que aderíssemos a ele e instituiu sobre a sua mesa o sacramento de nossa paz e unidade. Aquele que recebe o sacramento da unidade sem guardar o laço da paz, recebe, em vez de um sacramento que lhe fortaleça, um testemunho que o condena” (Santo Agostinho, Sermão 272).

Em 1959, dizia Karl Rahner: “A celebração cultual exige uma tradução no plano da existência. Se no modo de viver das pessoas que celebram a Missa, a comunhão que dela decorre não é uma realidade existencial, esse modo de viver não pascal priva do seu sentido a celebração (...). Isso quer dizer que a comunhão na vida é condição prévia e necessária para a comunhão na Eucaristia. (...) A Missa não vivida priva a missa celebrada de uma característica essencial: a de ser expressão sensível e sacramental de uma forma de viver: a do Cristo”[3].







[1] - JOÃO CRISÓSTOMO, Homilia sobre 1 Cor. , P.G. 61 col. 527. citado em  TEXTES SPIRITUELS, n. 34, Abbaye de Tournay, France, 1976, p. 118.
[2] - idem, p. 297.
[3] - KARL RAHNER,  A Eucaristia e os Homens de Hoje, Lisboa, Ed. Paulistas, 1968, p. 61- 65. 

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