Médico
Ali onde não se quer estar, junto ao sofrimento e
à dor. Ali na urgência de corpos partidos e do sangue derramado, das feridas
não cicatrizadas, onde das crostas mana secreções fétidas e pouca esperança;
onde o desespero grassa e ninguém quer estar.
Onde o dinheiro desviado pelos podres poderes faz
falta. Falta faz também gaze e soro, antibiótico, raio X, roupa limpa e cama
decente. Onde falta vergonha a uma nação que abandona seus filhos na miséria
após enganá-los com promessas não cumpridas e planos mirabolantes para desvio
de recursos. Ali, ali mesmo, entre mutilados, semimortos, mulheres parindo,
chão sujo de sangue e placenta, três pessoas se encontram: o doente seu médico
e a enfermeira.
Nunca na história desse país uma classe de
trabalhadores foi tão atacada e aviltada por um governo e por um partido como a
classe médica. Motivo de orgulho para qualquer nação, por não se curvar a
negociatas tenebrosas, sofreu e sofre uma perseguição exposta e também velada
como certas fraturas que impedem um povo de se manter de pé. Apesar de tudo o
povo que precisa sabe, que na hora mais angustiada e também nas mais felizes,
ali estará um ser humano junto a ele, repartindo sua dor e seu suor, seu
conhecimento e seu cansaço, driblando a escassez e dando o melhor possível de
si.
Não são anjos nem demônios de branco, apenas
humanos, apenas humanos, com suas dores e alegrias, suas agonias e seus êxtases,
seus limites imponderáveis. Suas necessidades confundidas com sua exaustão e a
de seus pacientes.
Passarão certamente por algum momento pela vida de
todos. Desde o início, nas cavernas de antes até as estações espaciais de hoje,
a fragilidade humana o requer.
São heróis para os que salvam ou para os que
minoram as dores, são faltosos para os próprios filhos e família, pois lhes
roubam o tempo de convívio. Mas serão sempre admirados, mesmo que o presente
diga não, a eternidade dirá sim, e certamente seus filhos pequenos se
revoltando contra aquela paixão que lhe tira o pai ou mãe, serão futuros
médicos muitas vezes.
Penso em quantas horas de sono na formação
acadêmica e quantas outras horas mal dormidas ou sem dormir em plantões
infindáveis.
Penso no primeiro instante de vida, ainda no
ventre materno, o médico já está ali perscrutando e no último momento talvez
num leito de UTI, ele junto, em alguns casos até depois quando o paciente já no
convívio de Deus, com seu corpo inerte e o médico ainda trabalhando para
elucidar a causa do óbito. Do berço ao esquife. Da vida à vida.
Os tempos obscuros e vadios vão passar, os
poderosos serão despedidos de mãos vazias, os corruptos conhecerão o excremento
da história, mas a nação permanece, o bem prevalece, a Vida dá a última
palavra, e vida é a especialidade desse profissional, que está ali, onde
ninguém quer ficar.
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