Pai Misericordioso de uma família difícil
Assuero Gomes
Deus é pai do pobre e do rico. É pai dos
fracassados e dos vitoriosos, dos assassinos e dos mansos de espírito. Deus é
pai também dos pecadores e dos santos, dos homoafetivos e dos homofóbicos. Das
prostitutas e das freiras, dos suicidas e dos que foram deixados para trás, é
pai também.
Deus é pai amoroso dos bêbados, dos delinquentes,
dos cegos e dos atiradores de elite; dos músicos e das travestis, dos
escritores soturnos e dos poetas vivos, dos operários e dos patrões, dos
exploradores, dos cafetões, dos preguiçosos e dos laboriosos, das crianças
desnudas em praças de lixo e dos príncipes belgas. Deus é pai do Papa Francisco
e de Alexandre VI.
Um pai cuidadoso dos viciados, dos cristãos
católicos, dos luteranos, anglicanos, muçulmanos e judeus, dos budistas e
taoistas, dos babalorixás em seus terreiros. Deus é pai dos anciãos moribundos
e dos neonatos. Deus é pai dos militantes radicais de esquerda tanto quanto o é dos
reacionários da direita, das dançarinas e dos mutilados de guerra. Pai dos
médicos, dos ateus, dos hereges, dos masoquistas, dos loucos e dos sãos. De
todos os atletas e dos aposentados, dos mendigos e dos magnatas.
Quão difícil é organizar uma família dessas,
banhada pela bênção do livre arbítrio! Pai dos pestilentos, nas abadias e
cabarés, em cada esquina, cada rua, cada bairro. Pai dos que creem e dos
surdos; dos celibatários e dos devassos, dos que rezam e dos que praguejam e
amaldiçoam. Pai sereno e amoroso em cada fim de tarde e no amanhecer, paciente
e tolerante, que banha com misericórdia a todos igualmente.
Pai da vítima e do criminoso, do que calunia e do
que abençoa, do que oferece água ao sedento e daquele que cerca o poço, do que
cura e do que fere, pai de todos e de todas as humanas criaturas, dos que fazem
aborto, dos que viciam, dos que salvam e socorrem. Dos que envenenam a alma e o
espírito, Deus é pai, e quanto mais terrível o desatino mais Ele se apresenta
de forma sutil sem forçar nem quebrar, sem romper o hímen da liberdade humana.
Deus é pai dos corruptos e dos corruptores, dos honestos,
dos indecisos, dos exatos, dos cientistas e dos alquimistas, dos astrólogos,
tarólogos e quiromantes, dos metódicos e dos românticos; dos sujos e dos
higienizados, dos obsessivos e dos lenientes, dos combatentes e dos
esmorecidos, Deus é pai.
Dos infanticidas, genocidas, homicidas, dos
estupradores, Deus é pai, e como sofre! Como sofre! Como o mal daninho entrou
no jardim do Éden? Que será o orvalho de cada noite senão as lágrimas de um pai
que sofre?
Pai dos que acolhem, dos que preservam a vida, dos
que são capazes de morrer para que a vida do outro permaneça.
Talvez o maior mistério, que jamais nos será
revelado, é o mistério de como o Pai pode amar uma família tão difícil como
essa.
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